O acirramento da disputa entre Estados Unidos e China é a expressão real de uma nova lógica. O multilateralismo cede espaço aos acordos bilaterais, o protecionismo substitui a abertura e o nacionalismo ocupa o espaço deixado pelos vácuos da globalização. O eixo de tensão Washington-Beijing parece distante do Brasil. Seus efeitos, porém, têm impactos diretos em todo o planeta.
No curto prazo, as barreiras impostas pelos chineses à importação da soja norte-americana abriram espaço para as safras brasileiras. Uma boa notícia para o Rio Grande do Sul, onde a produção de grãos ocupa lugar de protagonismo na matriz econômica. No médio prazo, os bons ventos que vêm do Oriente carregam também a instabilidade gerada por uma disputa entre pesos-pesados. Estamos à mercê de movimentos sobre os quais temos influência quase nula, ainda mais quando a banca é comandada por Donald Trump, um líder que flerta com o populismo de direita e que se elegeu embalado por promessas de emprego e de retomada de grandeza.
Trump não é só desatino. Impossível ignorar a legitimidade de alguns de seus argumentos, entre eles o desrespeito da China à propriedade intelectual, um dos maiores ativos da indústria da tecnologia. No outro lado do cabo-de-guerra, a China, com disciplina e planejamento centralizado, vai consolidando o seu projeto de transformação em superpotência.
Cada soluço dos gigantes faz sacudir o mundo. Nesse contexto, a proximidade entre Jair Bolsonaro e Donald Trump empresta ao Brasil um certo grau de segurança – bem menor do que faz parecer a troca de gentilezas públicas entre os dois mandatários. Acostumado a nadar com os tubarões, não seria surpresa se Trump transformasse o Brasil, da noite para o dia, em uma perda colateral necessária no contexto de um acordo vantajoso com o maior rival, a China.
O planeta é hoje bem mais complicado do que era em 2005, quando o norte-americano Thomas Friedman escreveu O Mundo é Plano, livro que celebrava as promissoras perspectivas da globalização. O pêndulo da História oscilou mais rápido do que previa o texto. Obedecendo à lógica polarizada que inspira hoje votos e relações, o Brasil tem dois caminhos. Ou organiza a sua economia, destrava a burocracia e promove reformas urgentes nas suas estruturas de gestão e poder, ou assiste, como coadjuvante, a mais um ciclo da História passar ao largo por nós.