Outro dia estávamos em uma roda de amigos. Foi uma das melhores não-conversas que já tive. Criativa, inteligente, cheia de entrelinhas e sacadas. Nos encontramos e alguém começou a falar sobre séries, um baita assunto para quem quer exercitar a criatividade. Cada vez que alguém puxava um título – de Breaking Bad a Merli – um de nós berrava: “olha o spoiler!!”. E assim ficamos horas, driblando com as palavras qualquer informação que pudesse revelar algum aspecto relevante da trama. Não encontramos sequer uma convergência. Estávamos em capítulos diferentes ou não havíamos ainda começado a ver. É preciso ter talento, inteligência e paciência gigante para conversar sobre tudo, menos sobre o que realmente interessa.
Por sugestão do meu irmão, vi outro dia a entrevista de David Letterman com Barack Obama. Meio baba ovo, uma conversa entre fã e ídolo, o que já me tira um pouco o entusiasmo. Mesmo assim foi bom. Não vou contar o fim (olha o spoiller!!), mas uma das respostas de Obama valeu a empreitada.
O ex-presidente analisou a onda de radicalismo que tomou conta do planeta e apontou o dedo, sem hesitar, para as redes sociais e para os algoritmos, que vão usando as nossas escolhas para oferecer conteúdos e ofertas que combinem conosco.
Um exemplo fora da política: se alguém usa seu próprio computador para ler e pesquisar sobre sonatas de Beethoven, jamais lhe será oferecido um samba. E quem disse que samba e música erudita são inimigos? O algoritmo, que nos priva do diferente em nome de uma pseudo eficiência. Troque Beethovem por Bolsonaro, Lula ou qualquer outra coisa e está pronta a receita. A tal ponto que a simples exposição de uma ideia diferente provoca a ira, pela falta do aprendizado de lidar com ela. Vivemos em uma bolha, cercados por nossas próprias convicções, jurando que dois milímetros de certeza são o máximo da profundidade. Meia dúzia de likes dos que pensam como nós viraram todo mundo.
Se esses gênios digitais fossem mesmo gênios, inventariam um desalgoritmo. Um sistema planejado para oferecer o diferente, para desafiar as convicções, para surpreender com uma ideia, para oferecer aquilo que você não procura. Mas não. Quanto mais certezas e seguranças tivermos, mais fácil será nos desenhar como target para, então, chegar a esse alvo de um jeito exato e certeiro. Sair da bolha não é fácil. Lembram do Truman Show, aquele filme...deixa pra lá. Olha o spoiler!!!