O bar Ocidente, em Porto Alegre, vai virar um túnel do tempo nesta quinta-feira (28). Às 21h, rola o show de lançamento da série documental Um Ano em Vortex (veja trailer no fim da coluna), idealizada, escrita e dirigida por Carlos Gerbase, que terá seus sete episódios disponíveis a partir de sexta (29) na plataforma Cubo Play (cuboplay.com.br).
Vortex era o nome da casa localizada no número 737 da Avenida Protásio Alves, em Porto Alegre, que, entre agosto de 1987 e julho de 1988, abrigou uma combinação de bar, estúdio de ensaios e loja de discos de rock. Também funcionava como sede do selo homônimo, famoso por lançar fitas cassete que hoje são itens raros disputados por colecionadores de todo o Brasil. Sete das bandas que passaram pelo endereço subirão ao palco do Ocidente e protagonizam cada episódio da série: Os Replicantes, A Barata Oriental, Os Cobaias, Atahualpa Y Us Panquis, Os Rebeldes, Smog Fog e Verdruss. Os ingressos podem ser comprados antecipadamente em sympla.com.br.
Com nome inspirado em uma máquina de fliperama de Capão da Canoa, o complexo roqueiro era administrado pelos próprios Replicantes, que então já tinham gravado dois LPs — O Futuro É Vortex (1986) e Histórias de Sexo e Violência (1987) — e gozavam de sucesso nacional graças a músicas como Nicotina, Surfista Calhorda e Festa Punk. Gerbase foi um dos fundadores da banda, levando paralelamente as carreiras de cineasta (seu primeiro longa-metragem, Inverno, é de 1983) e de escritor (seu primeiro livro solo, Comigo, Não!, é de 1987). No seu perfil no Facebook, ele comentou:
"Muitas pessoas jovens que estão começando uma carreira artística se queixam da dificuldade de encontrar um espaço para suas criações, já que o cenário estaria ocupado por 'panelinhas', ou seja, grupos de pessoas que já têm alguma projeção e se apoiam mutuamente, em vez de dar a mão para quem quer 'chegar lá'. Panelinhas do cinema, da música, da literatura… Mas, se olharmos para o ambiente cultural da cidade de Porto Alegre nos anos 1980, veremos um espírito colaborativo muito forte.
Quando a Vortex surgiu, em 1987, rapidamente se tornou um ponto de encontro de jovens (a maioria entre 16 e 25 anos) que gostavam de rock e estavam sedentos por informação. E famintos pela oportunidade de tocar numa banda, mesmo sem ter banda alguma. Mais de uma vez, alguém faltou a um ensaio e foi substituído por outro alguém que estava ali tomando uma cerveja e vendo um vídeo dos Ramones. Esse era o espírito da Vortex: ninguém tinha medo de se conectar. Várias bandas que fizeram shows e gravaram suas fitas eram desconhecidas dos donos da Vortex, ou seja, d'Os Replicantes. Panelinha? Melhor falar em panelão, ou caldeirão, que fervia como o inferno num estúdio com um ar-condicionado que não dava conta do recado. Mas quem ligava para isso? Na Vortex, Replicantes, Cascavelletes e Graforréia conviviam com Verdruss, Smog Fog e 3D. E todo mundo era igual. Durou só um ano, mas foi um ano que marcou a vida de muitas pessoas".
Em depoimento no segundo episódio da série, o músico Flavio Flu Santos, que participou das bandas Urubu Rei e DeFalla, endossa as palavras de Gerbase. Ele recorda que havia outros estúdios em Porto Alegre e que alguns podiam ser melhores, "mas esse (o Vortex) era o de vocês, os amigos, então era muito mais legal ensaiar lá. Nós estávamos ali pela brodagem, por sair do estúdio e encontrar os amigos tomando uma cerveja".
Uma das coisas mais bacanas da Vortex é que, em tempos pré-MTV — o canal estadunidense de clipes só chegou ao Brasil em 1990 —, os ensaios das bandas nos estúdios eram gravados em vídeo e transmitidos pelas televisões (de tubo) instaladas no bar. É por isso que Gerbase, ao esboçar o plano geral do documentário, em 2015, estabeleceu como uma das principais ideias a montagem paralela que intercala cenas em VHS do final da década de 1980 com performances atuais. "Há um intervalo de mais de 30 anos entre uma coisa e outra. Parecia ser interessante", diz Gerbase. E ficou mesmo, a julgar também pelo segundo capítulo da série, dedicado ao grupo A Barata Oriental, formado no Vale do Sinos por Nenung (voz), Carlos Panzenhagen (guitarra e vocais), Milton Sting (baixo) e Luciano Sapiranga (bateria). O quarteto interpreta Céus, o Céu Pode Cair!, Dançar Direito e a ainda enérgica Coca x Cola, que tem um refrão supimpa: "Coca ou cola / é só questão de nível social / Cola ou coca / tudo se cheira igual".
As primeiras gravações atuais ocorreram em dezembro de 2019, no estúdio Porta da Toca, onde se reuniram Os Cobaias e A Barata Oriental. O projeto previa a continuidade do trabalho em março de 2020, mas daí a pandemia de covid-19 parou o mundo. A produção só foi retomada em abril de 2022, quando Smog Fog, Verdruss, Os Rebeldes, Atahualpa Y Us Panquis e Os Replicantes registraram suas participações no estúdio da Cubo Play, que se tornou coprodutora da série, ao lado da Prana Filmes.
"Aí veio o longo processo de edição e finalização, comandado pelo grande Alexander Desmouceaux", prosseguiu Gerbase em um post no Facebook. "O sete episódios só ficaram realmente prontos em novembro de 2023. Mais um ano se passou, enquanto planejávamos uma estratégia pro lançamento, que pra mim sempre foi bem óbvia: fazer um show com as sete bandas, com as suas formações dos anos 87/88 (ou quase). E, no dia seguinte, colocar a série no ar. Documentários às vezes são assim mesmo. O tempo que passa entre o começo e o fim do processo faz parte da obra. Um Ano em Vortex é uma produção independente, sem qualquer patrocínio, sem grana de edital (bem que tentamos, mas o rock parece estar fora de moda), seguindo o bom e velho preceito 'Faça você mesmo'. Agradeço a todos os músicos, muitos deles meus amigos do peito, aos entrevistados e aos profissionais da equipe de realização que trabalharam na série. Espero que tenha valido a pena. Acho que valeu pra muita gente. O rock não morreu. Foi para Vortex, onde o sol já virou lua". E a Vortex foi para o espaço: hoje, não resta nada da casa no número 737 da Protásio, uma área vazia entre um edifício e uma farmácia.
Assista ao trailer da série "Um Ano em Vortex":
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