Às 19h30min desta quarta-feira (27), para marcar o aniversário de nove anos da Cinemateca Capitólio e o Dia do Cinema Gaúcho, a Sessão AAMICCA apresenta o documentário Peréio, Eu te Odeio (2023), de Allan Sieber e Tasso Dourado, que estarão presentes para debater o filme. A exibição tem entrada franca, com retirada de senhas a partir das 18h30min.
A AAMICCA é a sigla da Associação de Amigas e Amigos da Cinemateca Capitólio. Também nesta quarta, a entidade vai oficializar a entrega das obras de melhorias realizadas no espaço cultural entre os meses de janeiro e março, viabilizadas com recursos (R$ 245 mil) do Programa de Apoio às Salas de Cinema da Lei Federal Paulo Gustavo.
Peréio, Eu te Odeio retrata a vida do ator Paulo César Peréio, nascido em Alegrete (RS) há 83 anos, de uma forma bem-humorada e não muito convencional: o homenageado é, não raro, detonado. Pela ex-esposa, a atriz Cissa Guimarães ("O Peréio não é bom pai"), por exemplo, ou por ele próprio ("Não sou mal-educado, eu sou escroto mesmo"). Familiares, amigos e parceiros de cena relembram situações excêntricas de sua trajetória. O filme também faz um passeio pela história do cinema brasileiro, já que o personagem atuou em títulos como Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra, Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha, Bang Bang (1971), de Andrea Tonacci, Os Inconfidentes (1972), de Joaquim Pedro de Andrade, Toda Nudez Será Castigada (1972), de Arnaldo Jabor, Vai Trabalhar, Vagabundo (1973), de Hugo Carvana, Rio Babilônia (1982), de Neville de Almeida, e Noite (1985), de Gilberto Loureiro — pelo qual ganhou o Kikito de melhor ator no Festival de Gramado.
"Peréio é um ser em extinção", diz o diretor Allan Sieber
Nascido em Porto Alegre e radicado desde 1999 no Rio, o quadrinista Allan Sieber, 52 anos, é um dos diretores do documentário Peréio, Eu te Odeio. Na entrevista a seguir, ele compara seu personagem a três grandes atores que se celebrizaram também por serem rebeldes, problemáticos, brigões: Marlon Brando (1924-2004), Dennis Hopper (1936-2010) e Klaus Kinski (1926-1991).
Por que a obsessão por Paulo César Peréio? O que há de tão fascinante na persona e no trabalho dele?
Ele foi um ator muito, muito fora da curva. Uma espécie de Klaus Kinski, Dennis Hopper, Marlon Brando, tudo junto. Ao mesmo tempo ele não representava, não atuava, era ele mesmo no papel, mesmo se fosse um filme de época. Para ser um cara assim e dar certo, ele tem que ser muito bom.
Em uma entrevista ao Splash, do Uol, você disse que o filme "é quase como um registro de um dodô". Tipos como Peréio estão realmente extintos? Por quê?
Ele é um ser em extinção, não existem mais Peréios em ação. Há um certo tempo. Os motivos são vários: não há espaço, tem o politicamente correto, tem essa bosta de geração WOKE, os filmes com orçamentos gigantes onde ninguém pode se dar o luxo de ter um ator rebelde, ninguém quer arriscar nada. E o BURRISMO, que afasta automaticamente qualquer pessoa inteligente de uma oportunidade de trabalho. Veja que loucura, a Xuxa hoje em dia é um exemplo de mulher EMPODERADA. Num mundo assim não tem lugar para o Peréio.
Um texto do pesquisador e crítico Marcus Mello publicado em ZH em 2023 diz que o projeto do documentário levou 23 anos para ser concluído. Por quê, resumidamente?
O filme começou a ser feito em 2000, quando conheci Peréio. Depois parou por 2005, foi retomado em 2009 e parou de novo em 2011. Nunca entrou um centavo de grana de edital no filme, por mais que o projeto fosse inscrito em editais ao longo desses anos. O filme só saiu porque a produtora O Par, do Camilo Cavalcanti e da Vivi Mendonça, entraram em 2023 como produtores e injetaram grana. E o Tasso Dourado, que já tinha trabalhado no Sem Frescura, talk-show que o Peréio teve no Canal Brasil, abraçou o filme, editou as pontas soltas e gravou mais coisas. Ele virou diretor do filme junto comigo. Ele é o grande responsável pelo filme sair.
Quais foram os depoimentos que mais surpreenderam vocês? Por quê?
O depoimento do (Hugo) Carvana é emblemático: "Conheci o Peréio me roubando"... Grandes amigos, grandes companheiros de esbórnia em tempos de um cinema brasileiro menos higienizado e menos divorciado do público. A história que o (ator) Stepan Nercessian conta também é inacreditável, muito absurda e engraçada. Impossível falar do Peréio sem humor.
O Peréio já viu o documentário? O que ele achou?
Ele viu numa première fora de competição no Festival do Rio ano passado. Depois da sessão, perguntei se ele gostou — erro crasso, muito burro eu — e ele me deu um esporro no meio do cinema. Acho que foi meio impactante ver a história dele num cinema, creio eu. São muitas histórias, muitos filmes, muita gente que se foi, muita merda.