Cartaz do Domingo Maior da RBS TV neste fim de semana, à 0h25min de segunda-feira (27), Infiltrado na Klan (BlacKkKlansman, 2018) foi um dos candidatos ao Oscar de melhor filme preteridos em uma das piores — se não a pior — escolhas da Academia de Hollywood.
O passado da premiação está cheio de vencedores que caíram no esquecimento e de derrotados que se tornaram clássicos. Uma das injustiças históricas foi o triunfo, em 1945, de O Bom Pastor, de Leo McCarey (que no total ganhou sete troféus), sobre Pacto de Sangue, de Billy Wilder (que concorreu em sete categorias mas não levou nada). Este último é reverenciado até hoje por ter praticamente estabelecido a cartilha do cinema noir. Do primeiro, quem se lembra?
Acontece que o Oscar não é decidido em um júri, que conversa sobre os filmes assistidos, mas em uma votação individual — que pode ou não ser influenciada pela opinião do público e da crítica, por relações afetivas (afinal, os indicados costumam ser colegas de trabalho dos integrantes da Academia) e por lobby de produtores como Harvey Weinstein (nos tempos em que ele não estava preso por crimes sexuais). Normalmente, impera o gosto médio, portanto, os filmes mais polarizadores acabam prejudicados. Raramente a ousadia — temática, estética, política, sexual etc — vai sair premiada. Ganha o mais palatável.
Mas Green Book (2018), que derrotou, entre outros títulos, os bem melhores Infiltrado na Klan, Roma, A Favorita e Pantera Negra, nem poderia ser considerado palatável. O filme era para ser a história de um pianista de jazz, Don Shirley, que enfrentou o racismo em uma turnê pelo sul dos Estados Unidos, em 1962. Pelas mãos do diretor Peter Farrelly, tornou-se a história de um homem branco (motorista e segurança do artista) que ensina quase tudo ao negro.
Não à toa, Mahershala Ali, que ganhou o Oscar de ator coadjuvante no papel de Shirley, pediu desculpas à família do músico.
Não à toa, a Academia de Hollywood vem incluindo integrantes oriundos de comunidades étnicas "sub-representadas", segundo a própria entidade, como uma forma de, na hora de escolher indicados e vencedores, aumentar a representatividade e diminuir o racismo estrutural.
Não à toa, Spike Lee, o diretor de Infiltrado na Klan, ficou visivelmente fulo da vida com o anúncio do vitorioso no Teatro Dolby, em Los Angeles: "Me senti como se estivesse na quadra do New York Knicks (time de basquete do qual é torcedor fanático) e o juiz tivesse acabado de tomar uma decisão ruim", disse depois. De fato, a principal estatueta ficaria em melhores mãos se fossem as suas.
Desde um de seus primeiros longas-metragens, Faça a Coisa Certa (1989), Spike Lee, hoje com 66 anos, tornou-se o mais influente cineasta negro dos Estados Unidos. O tema central de sua obra é o racismo — inclusive o da própria Hollywood, como visto em A Hora do Show (Bamboozzled, 2000), que mostra como a TV e o cinema pintam (literalmente, nos primórdios) os afrodescendentes.
Vencedor do Oscar de melhor roteiro adaptado e indicado ainda às categorias de direção, ator coadjuvante (Adam Driver), edição e trilha sonora, Infiltrado na Klan é mais um de seus mergulhos na história do país, como a cinebiografia Malcolm X (1992), o documentário Quatro Meninas (1997) e os filmes de guerra Milagre em Sta. Anna (2008) e Destacamento Blood (2020). Como o nome explicita, conta a história real de um policial negro do Estado do Colorado que, no final dos anos 1970, conseguiu se infiltrar na célula local da Ku Klux Klan. Ron Stallworth (interpretado por John David Washington) se comunica com os supremacistas por meio de telefonemas e cartas. Quando precisa estar fisicamente presente, vai em seu lugar um policial branco, Flip Zimmerman (Adam Driver).
O alvo de Lee não é somente a famigerada organização racista estadunidense. O diretor ataca o então presidente Donald Trump — de várias formas. O vilão da trama, David Duke (papel de Topher Grace), é um declarado apoiador do ex-inquilino da Casa Branca; frases e expressões de Trump (como o slogan "America first") são encaixadas nos diálogos; e o filme termina com cenas das marchas de neonazistas e nacionalistas brancos em Charlottesville, na Virginia, em 2017, quando um jovem de extrema-direita acabou acelerando seu carro contra uma multidão de manifestantes antifascismo, o que resultou na morte de uma mulher. Em seu primeiro pronunciamento sobre o episódio, o mandatário dos EUA condenou a "exibição flagrante de ódio, fanatismo e violência em muitos lados".