Goste-se ou não da importação de tradições, a cada ano a celebração do Halloween ganha força no Brasil. Na noite do 31 de outubro, meu ritual favorito é assistir a um bom filme de terror. Minha sugestão para fechar esta terça-feira, Dia das Bruxas, é fazer uma dobradinha espanhola, aproveitando a recente estreia de Irmã Morte (Hermana Muerte, 2023), título que integra o universo cinematográfico de Verônica (2017).
Ambos os filmes estão disponíveis na Netflix, ambos não são longos (respectivamente, 90 minutos e 105 minutos) e ambos foram dirigidos por Paco Plaza, o realizador que, em Rec (2007, em parceria com Jaume Balagueró), gravou seu nome na memória dos fãs de terror. Você pode escolher a ordem em que vai assistir: a do ano de lançamento ou a da cronologia interna — Irmã Morte se passa décadas antes de Veronica.
Eu começaria por Verônica, ambientado na Madri do início dos anos 1990. Interpretada por Sandra Escacena, a personagem do título é uma adolescente sobrecarregada de tarefas domésticas porque a mãe trabalha em um restaurante. Filha mais velha, é quem de fato cuida dos três irmãos mais novos, as gêmeas Irene e Lucia e o caçula Antoñito. Aluna de uma escola católica administrada por freiras, a protagonista é leitora voraz de revistas especializadas em ocultismo. Certo dia, compra um tabuleiro ouija para tentar contatar o pai falecido. Mas o episódio acaba desencadeando uma espiral de desgraça e danação.
Embora não economize em cenas assustadoras e jogue com as percepções do público — existe a ameaça sobrenatural? Ou são pesadelos? Ou Verônica está em surto psicótico? —, Paco Plaza evita soluções fáceis e ainda consegue entabular uma dolorosa reflexão sobre a sempre complicada transição da adolescência para o mundo adulto.
Irmã Morte narra a história pregressa de uma personagem coadjuvante no filme anterior, a freira anciã e cega encarnada por Consuelo Trujillo que, ao ser procurada por Verônica, conta que costumava enxergar espíritos das trevas quando era mais jovem e e que furou os olhos em uma tentativa frustrada de impedir as visões. No novo longa-metragem, ela ainda se chama Narcisa e é vivida por Aria Bedmar, da minissérie Silêncio (2023).
A trama começa em 1939, nos estertores da Guerra Civil Espanhola, quando Narcisa ainda é uma menina, reverenciada pela população da sua cidadezinha como "la niña santa". Dez anos depois, ela se tornou uma noviça professora, acolhida pela Irmã Julia (Maru Valdivielso) em um convento que funciona como escola. É um choque para Narcisa o aviso, pela Madre Superiora (Luisa Merelas), de que em breve terá de fazer seus votos de pobreza, obediência e castidade — percebemos que a jovem carrega algumas inseguranças sobre seu papel na vida. Mas o que vai espantá-la mesmo é a cadeira de madeira que está sempre caindo no quarto onde é acomodada, que antes pertencia à Irmã Socorro.
A partir daí, Narcisa passa a encarar eventos paranormais e a investigar o passado de Socorro e do convento. Paco Plaza desenvolve seu enredo com paciência no ritmo e elegância visual, até desaguar em um impactante clímax que revela horrores do passado e que é formalmente engenhoso. Não dá para explicar porque seria um baita spoiler, mas é tenebrosamente fascinante o modo como o ontem e o hoje se fundem no final de Irmã Morte.