Pelé morreu, mas está eternizado na história do esporte, na memória de quem o viu o jogar e em um punhado de filmes.
Nas plataformas de streaming, podemos encontrar documentários, uma cinebiografia e até uma ficção em que o jogador atuou como ator.
Confira cinco títulos:
O primeiro
Isto É Pelé (1974), disponível no Looke
Lançado no ano em que Pelé se despediu dos gramados brasileiros — após sua 19ª temporada pelo Santos, foi jogar no Cosmos, de Nova York —, o documentário atraiu mais de um milhão de espectadores aos cinemas. O filme foi dirigido por nomes históricos da cinematografia nacional: Luiz Carlos Barreto, produtor de títulos como Vidas Secas (1963), Bye Bye Brasil (1980) e O que é Isso, Companheiro? (1997), e Eduardo Escorel, montador de Terra em Transe (1967), O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969) e Cabra Marcado para Morrer (1984).
Isto É Pelé mistura cenas de arquivo das Copas do Mundo e do Canal 100, fotos das revistas Manchete, O Cruzeiro e Jornal do Brasil e imagens do jogador correndo na praia, orientando os infantis do Santos e fazendo exames médicos no clube, entre outros momentos.
Ao lado de Stallone
Fuga para a Vitória (1981), disponível na HBO Max
Nem só de documentário é feita a trajetória cinematográfica de Pelé — vide a comédia Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986), indisponível no streaming. Sob a direção do estadunidense John Huston, vencedor do Oscar por O Tesouro de Sierra Madre (1948) e, no total, dono de 14 indicações à estatueta dourada, o jogador brasileiro aventurou-se como ator nesta refilmagem de uma produção húngara de 1961.
A trama se passa durante a Segunda Guerra Mundial. Em um campo alemão de prisioneiros, o major Karl von Steiner (Max Von Sydow), que no passado havia sido atleta da seleção alemã, resolve marcar um duelo futebolístico entre nazistas e representantes dos Aliados. Cabe ao capitão John Colby (Michael Caine) recrutar o time para a partida, que pode significar a chance para escapar do jugo. O elenco inclui Sylvester Stallone — então no auge da fama por causa de Rocky, um Lutador (1976) e Rocky II (1979) — e craques do porte do argentino Ardiles, do inglês Bobby Moore e do polonês Deyna.
Um gol de placa
Pelé Eterno (2004), disponível para alugar em Apple TV
Com o subtítulo de Edson Arantes do Nascimento à Eternidade, o documentário tem roteiro de José Roberto Torero (autor de dois livros sobre o clube em que Pelé fez história, o Santos), narração de Fúlvio Stefanini, textos de Armando Nogueira e direção e produção de Aníbal Massaini Neto — produtor de uma penca de comédias eróticas da década de 1970 e de diversas obras do cineasta Walter Hugo Khouri.
Massaini trabalhou durante mais de cinco anos na pesquisa e na recuperação de imagens, se debruçando em 70 acervos no Brasil e no Exterior. Foram coletadas 25 horas de material, entre cenas em 35mm, 16mm e vídeo, incluindo 150 depoimentos de amigos, jogadores, ex-companheiros e celebridades.
Em 120 minutos, o longa-metragem refaz a trajetória de Pelé desde a infância em Três Corações, no interior de Minas Gerais, onde nasceu, no dia 23 de outubro de 1940. Estão na tela cerca de 300 dos 1.281 gols que o mito marcou em 21 anos de carreira. As principais conquistas do jogador também ganham destaque: as três Copas do Mundo pela Seleção Brasileira, o bicampeonato do Mundial Interclubes pelo Santos.
O camisa 10 não se esquivou de uma polêmica familiar: aparecem as filhas Sandra Regina e Flávia Christina, reconhecidas por ele apenas quando adultas.
— Não seria justo deixar de fora — contou Pelé na entrevista de apresentação do documentário. — Não sabíamos como mostrar isso. Com uma eu tenho um bom relacionamento, mas com a outra não. A equipe e o diretor conseguiram dar um jeito.
Pelé Eterno traz uma série de cenas raras — para não dizer lendárias. Por exemplo: Massaini obteve imagens do amistoso do Santos contra a seleção universitária da Colômbia, em 1968, quando Pelé foi expulso, mas voltou a campo a pedido da torcida. Quem levou o cartão vermelho foi o árbitro.
De dois dos mais belos gols de Pelé, porém, não havia registro. A solução foi reproduzir as antológicas jogadas — com jogadores no caso do célebre Gol de Placa, marcado contra o Fluminense, no Maracanã, em 1961, e com a ajuda da tecnologia no caso daquele que é considerado pelo próprio Pelé como o mais bonito de sua carreira: o Gol da Rua Javari, contra o Juventus, de São Paulo, em 1959.
A partir dos relatos de 30 testemunhas e utilizando a técnica chamada Motion Capture, Pelé repetiu os movimentos em estúdio, com sensores ligados a seu corpo e diante de 14 câmeras. Após um ano de trabalho em computação gráfica, foi recriado o lance em que Pelé deu três balõezinhos em três adversários antes de fazer o gol, que não dura mais do que 30 segundos no filme. O suficiente para reafirmar a eternidade de Pelé.
Biografia para gringo ver
Pelé: O Nascimento de uma Lenda (2016), disponível no Globoplay
Como disse o crítico Sérgio Rizzo à época da estreia, na Folha de S.Paulo, aqui Pelé ganhou um tributo para gringo ver. São estadunidenses os produtores Brian Grazer (de Rush: No Limite da Emoção, sobre a rivalidade entre os pilotos de Fórmula-1 James Hunt e Nikki Lauda) e Colin Wilson, e também os diretores e roteiristas Jeffrey Zimbalist e Michael Zimbalist, que já tinham experiência tanto com o Brasil (Favela Rising) quanto com o universo do futebol — assinaram Os Dois Escobares, sobre as conexões entre o chefão do tráfico Pablo Escobar e o jogador Andrés Escobar. Originalmente, o filme é falado em inglês, às vezes com uma palavra em português solta na frase para dar um "tempero local". A sensação de inautenticidade é reforçada pelo diretor de fotografia Matthew Libatique (indicado ao Oscar por Cisne Negro e Nasce uma Estrela), que, com seu trabalho de luz e câmera, cria uma atmosfera de sonho tropical.
Da infância em Bauru ao triunfo na Copa do Mundo de 1958, acompanhamos os cerca de 10 anos em que o menino Edson Arantes do Nascimento se transformou em Pelé. O personagem é vivido na infância por Leonardo Lima Carvalho, e na juventude, por Kevin de Paula. Vincent D'Onofrio interpreta o treinador Vicente Feola, e Felipe Simas faz Garrincha.
O Rei e os generais
Pelé (2021), disponível na Netflix
O documentário dirigido pelos britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas trata de como a ascensão de Pelé no mundo do futebol passou a interessar ao meio político, a ponto de o jogador ser obrigado a rever a decisão de não mais disputar uma Copa do Mundo após o fracasso brasileiro no Mundial de 1966 — uma imagem rara, encontrada nos arquivos do canal RTP, de Portugal, mostram o craque manifestando esse desejo.
"O regime militar, no entanto, precisava de uma conquista mundial para consolidar a imagem de um país bem-sucedido, ainda que à base de mortes, torturas e cassação dos direitos civis", escreveu o jornalista Ubiratan Brasil no Estadão. "A pressão se instala na preparação para a Copa do México: comunista confesso, o técnico João Saldanha, que chegou a confrontar o presidente Emílio Garrastazu Médici ('Eu não escolho os ministros dele, e ele não escala a minha Seleção'), logo é destituído, e Zagallo assume, junto de uma comissão técnica formada por militares".
— A gente sabia de muitas coisas que aconteciam no país. Outras, não — comenta Pelé, no documentário, sobre os abusos da ditadura. — Nunca fui forçado a nada — completa ele, dizendo que decidiu voltar à Seleção também para uma realização pessoal: mostrar que, aos 30 anos, ainda podia ser campeão do mundo.
A volta ao Brasil e o encontro com Médici, em Brasília, são momentos delicados do documentário. O ex- jogador Paulo César Caju analisa a cena do abraço com o presidente como um rebaixamento social:
— Pelé retoma a posição do "Sim, senhor".
O filme traz ainda outros momentos preciosos. Como a chegada de Pelé à sala onde concedeu as entrevistas: apoiando-se em um andador, ele empurra o aparelho para fora do foco da câmera tão logo se senta.
— Não planejamos isso — diz Tryhorn. — Sentimos que era importante mostrar que um dos maiores atletas da história tinha problemas para caminhar, mas não aceita essa condição.