Depois do filme da vaca, do filme da porca e do filme da ovelha, chegou a vez do filme da cachorra — Dog: A Aventura de uma Vida (Dog, 2022), dirigido por Channing Tatum e Reid Carolin, foi adicionado recentemente ao catálogo do Amazon Prime Video.
Alguns temas e até cenários se repetem nessa tetralogia informal que começou com First Cow: A Primeira Vaca da América (2020, disponível na plataforma de streaming MUBI). A partir da amizade entre um padeiro e um imigrante chinês no Oregon de 1820, a cineasta Kelly Reichardt aborda assuntos urgentes nos dias de hoje: a agressividade inata e o caráter predatório do capitalismo, o fosso entre os ricos e os pobres, a necessidade de cooperação e solidariedade, a importância de um convívio mais harmônico com a natureza.
Também é no Oregon que se passa Pig: A Vingança (2021, no Globoplay), de Michael Sarnoski. A jornada de um ex-chef de cozinha e agora ermitão (Nicolas Cage) de quem é sequestrada a porca farejadora de trufas negras promove o debate de temas que incluem o processo de luto, o conflito entre liberdade artística e ambição financeira, a discrepância entre os sonhos que tínhamos e o status que queremos preservar, a comunhão com o ambiente e a necessidade de termos empatia nas nossas relações com as outras pessoas — sejam amigas ou não.
Semifinalista na briga pelo Oscar de melhor longa internacional, Lamb (2021, no MUBI), do islandês Valdimar Jóhannsson, emprega elementos do terror folclórico e do drama existencialista para narrar a história de um casal sem filhos que se vê às voltas com um misterioso bebê de ovelha. O filme trata de como lidamos com a morte e das consequências que podemos sofrer quando desafiamos a vontade da natureza.
Na comparação com seus antecessores, Dog é bastante dissonante. Para começar, como sugerem as características da espécie animal destacada, é o menos rural. Diferentemente da vaca e da porca, a cachorra tem protagonismo — e, ao contrário da ovelhinha Ada de Lamb, existente graças à computação gráfica, a pastor belga Lulu foi representada por um cão real (na verdade, três: Britta, Lana 5 e Zuza). Também é o menos contemplativo entre os quatro filmes, empreendendo uma viagem cheia de aventuras e desventuras da costa do Pacífico ao Arizona. Por fim, embora pontuado por momentos de melancolia e tensão, é sem dúvida um filme otimista e solar, uma comédia dramática capaz de nos fazer rir e chorar quase simultaneamente, como o atual vencedor do Oscar, No Ritmo do Coração (2021).
A trama foi escrita por Reid Carolin, 40 anos, roteirista e um dos produtores de Magic Mike (2012) e Magic Mike XXL (2015), ambos protagonizados por Channing Tatum, 42, como um dançarino de strip-tease. O papel valeu ao ator o posto de homem mais sexy do mundo em 2012, segundo a revista estadunidense People. Em Dog, os dois retomam a parceria, agora estreando como diretores.
Visto como o esportista de luta greco-romana que vira obsessão de um milionário em Foxcatcher (2014) e como a ex-promessa do futebol americano que tenta prosperar no mundo do crime em Logan Lucky (2017), Tatum também atua à frente das câmeras em Dog, encarnando um tipo para o qual seu rosto e seu corpo são talhados: o do sujeito em que estão lado a lado a força física e a fragilidade emocional, a esperança e o desencanto, a capacidade de provocar riso ou de expressar dor.
Seu personagem é Jackson Briggs, dispensado do Exército por estresse pós-traumático. Empregado em uma lanchonete, ele tenta se candidatar a um rodízio militar no Paquistão, mas isso depende de uma recomendação de seu ex-comandante. Para tentar comovê-lo, Briggs aceita a missão que surge após a morte de outro traumatizado veterano de guerra, Riley Rodríguez: levar ao funeral dele Lulu, sua companheira canina no combate ao Estado Islâmico.
O problema é que, após sete anos no front, a própria Lulu também carrega traumas. Ao longo do caminho de 2,4 mil quilômetros, homem e animal terão de aprender a conviver um com o outro e enfrentarão desafios no contato com os demais personagens. Assim, Dog se reconecta com First Cow (por retratar a aproximação entre dois tipos oprimidos em busca de uma vida melhor), com Pig (por promover a empatia) e com Lamb (por nos lembrar como pode ser difícil curar, deixar ir e seguir em frente). E mais não conto para não estragar surpresas emocionantes ou engraçadas.