A editora Tordesilhas relançou no Brasil Castelo de Areia (Château de Sable, 2010), história em quadrinhos em que se baseia o novo filme do diretor M. Night Shyamalan, Tempo (Old, 2021), em cartaz nos cinemas.
Assumidamente inspirada no filme O Anjo Exterminador (1962), de Luis Buñuel, a HQ foi escrita pelo francês Pierre Oscar Lévy, que fez carreira como diretor de documentários em curta-metragem, e desenhada pelo suíço Frederik Peeters, autor das aclamadas Pílulas Azuis, Aâma e Oleg (todas também publicadas no Brasil, as três pela Nemo).
Como no thriller de Shyamalan, só que em um preto e branco cheio de contrastes, a história se passa em uma praia deserta. Lá, um grupo de veranistas começa a sofrer os efeitos do tempo de um modo terrivelmente rápido. Uma diferença marcante é que, em vez de um personagem negro coadjuvante, temos um árabe com papel de destaque. Ele veio da Argélia, que se tornou independente da França em 1962 — a colonização e a guerra são feridas abertas nos dois países.
Como em Tempo, Castelo de Areia permite ecoar a pandemia: a família central está confinada (o distanciamento social) naquela praia, onde a presença de outros (a aglomeração) é uma ameaça, enquanto seus filhos crescem em velocidade espantosa (a rotina das crianças foi bastante limitada pela covid- 19, mas elas seguem ficando mais velhas a cada dia dentro de casa); o tempo não para, a natureza (o vírus) é implacável, então cabe a nós aparar arestas, ligar o passado ao futuro, reagirmos com o que temos de melhor — mas é claro que alguns reagem com o que têm de pior.
A nova edição da HQ (tradução de Diogo Rodrigues de Barros, 112 páginas, R$ 56) tem uma introdução assinada por Lévy e um posfácio do jornalista e tradutor pelotense Érico Assis. Sem ter visto Tempo, Assis acertou o alvo ao suspeitar que uma das virtudes da obra poderia se perder na adaptação: a falta de explicações, de respostas. Sua trama suscita dúvidas, questionamentos e reflexões sobre "a vida, a morte, os amores, os amigos e o que nos resta da existência", ele diz no posfácio.
Se em Tempo Shyamalan aposta na virada da trama e em explanações científicas, Castelo de Areia opta pelo mistério e pela parábola — a da morte de um rei, contada a certa altura pelo árabe.