O fim do inverno e a chegada da primavera marcam o mês da campanha Setembro Amarelo. O período, que é de conscientização, anualmente traz matérias, reportagens e relatos de um debate importantíssimo: a saúde mental.
Durante as Olimpíadas de Tóquio 2020, a ginasta Simone Biles desistiu de disputar a final individual, na qual ela era favorita ao ouro, por problemas de saúde mental. O fato da atleta fazer isso no meio dos Jogos Olímpicos causou amplo debate no meio esportivo e trouxe à tona uma questão importante para os atletas de alto rendimento do mundo inteiro: por que os atletas têm tanta dificuldade em manter a saúde mental em dia?
Já é sabido que nós atletas precisamos treinar diariamente e durante os treinos somos puxados ao limite físico. A cada sessão de treinamento, evoluímos um pouquinho em algumas coisas que ao final vão se somar para realizarmos nossas performances.
Como tudo na vida, esse acumulo não é só de coisas boas. Também aparecem dores, fadiga e principalmente o cansaço mental. Todos os dias treinamos, trabalhamos fisicamente buscando a perfeição e diversas vezes paramos só quando a exaustão física é demais para continuar.
Entretanto, como o corpo dá sinais muito mais claros quando se atinge o cansaço máximo, temos o péssimo hábito de ignorar a exaustão mental pelo simples motivo de que o físico quase sempre fala mais alto.
Além disso, o esporte é um ambiente extremamente competitivo, naturalmente, e a todo momento existe comparação de atletas, equipes, estatísticas, títulos e performances. Por estarmos inseridos nesse ambiente, é natural que exista esse tipo de comportamento de nossa parte. Afinal, ninguém compete sozinho.
A dita "pressão para performar" vem do fato de que a partir do momento em que nos tornamos atletas, as nossas conquistas não são só nossas, são de nossos treinadores, familiares e equipes multidisciplinares também. Há muita coisa em jogo, as facilidades ou dificuldades que as conquistas podem trazer são causa de grande ansiedade. Treinamos diariamente para vencer e sabemos que há apenas um vencedor, por isso temos que tentar e o quanto mais próximos de conseguirmos, mais nos cobramos.
Cada vez que entramos num grande palco, como as Olimpíadas, passam milhares de coisas na nossa cabeça, inclusive tudo que tivemos de fazer para chegar lá. É um caminho íngreme, tortuoso, tal qual jornada de herói, e temos de contrariar estatísticas, bater a probabilidade, performar um milagre, por assim dizer.
Portanto, a pressão de fazer o melhor desempenho da vida está no máximo, mesmo conhecendo nossas limitações e entendendo o quão longe podemos chegar, estamos diariamente treinando para superar nossos limites. E tentar fazer isso na maior competição de todas também está nos nossos pensamentos.
A busca obsessiva por vencer não se trata apenas de satisfação pessoal, não é apenas pelo sentimento de ser “o melhor” ou por sentir a felicidade do treinamento ter dado resultado. É também para retribuir a todos que de alguma forma torcem, apoiam ou trabalham em conjunto conosco.
Nossa autocobrança vem principalmente pela necessidade de provar que todo o tempo e energia investidos não foram em vão. O quanto essa autocobrança é angustiante, não pode ser tratado levianamente, é sufocante, aterrorizante e o pior é que nesses momentos nos sentimos tão sozinhos que pedir ajuda se torna muito difícil.
O alto rendimento exige muito dos nossos corpos, é extremamente danoso para saúde física, e, pensando de forma lógica, não tem como a mental sair ilesa. Quando vemos casos de grande repercussão como o de Simone Biles ou até Michael Phelps, sempre me pergunto de que forma isso desencadeou para eles.
Quando se chega no topo, a vista é maravilhosa, mas ao mesmo tempo não há ninguém ao redor e isso pode ser assustador. Pior do que chegar ao topo é se manter nele. A solidão de estar lá às vezes é mais do que conseguimos suportar, por isso que seguidamente vemos histórias tristes de atletas que não conseguiram lidar com isso.
Devemos tratar nossas mentes com o mesmo cuidado que tratamos nossos corpos. Assim como fazemos trabalhos de prevenção de lesões para o corpo, devemos fazer uma prevenção para lesões da mente. É importante que busquemos ajuda antes de termos que nos afastar do nosso sonho e percamos a chance de sermos verdadeiramente felizes com o que fazemos.
Queridos atletas, façam acompanhamento psicológico, incentivem seus colegas e espalhem seus benefícios. Aproveitem que estamos no Setembro Amarelo e cuidem da saúde mental. Lembrem-se sempre, vocês não estão sozinhos.