Aproveitei o contato de uma frequente e antiga leitora/colaboradora para perguntar como tem sido esse período de mais de um ano sem viajar para alguém que tinha os roteiros pelo Estado, pelo país e pelo mundo como um estilo de vida. É, como ela mesma diz, “uma chateação” não poder sair por aí à vontade conhecendo lugares novos ou revendo antigas paixões – mas nada comparável ao luto pelos quase 500 mil brasileiros mortos na pandemia, como também ressalta, ou pelos incontáveis prejuízos em todos os setores, inclusive no turismo.
Odete Pinzetta, 54 anos, é promotora de Justiça, nasceu em Casca, na Serra, e mora em Porto Alegre. Antes da pandemia, com a possibilidade de fracionar as férias, costumava fazer quatro ou cinco viagens por ano. No Brasil, já visitou 20 Estados. No Exterior, conheceu 89 países em cinco continentes.
A última viagem ao Exterior pré-pandemia foi para Mendoza (Argentina), no Carnaval de 2020. No Brasil, os destinos derradeiros haviam sido o Vale do São Francisco (Pernambuco/Bahia) e a Serra da Capivara (Piauí), em janeiro do ano passado. Vão aqui então o “antes, durante e depois” de Odete mencionados no título, para inspirar roteiros:
Antes: Vale do São Francisco
“Escolhi o Vale do São Francisco porque sou apaixonada pelo universo do vinho. Tinha muita curiosidade em conhecer essa região do semiárido nordestino, onde podem ser observados, a um só tempo, todos os ciclos do vinhedo, graças à irrigação, por gotejamento, com água captada no Rio São Francisco. Aprendi que, após a colheita, é diminuída a irrigação para forçar a dormência das videiras; decorridos 120 dias a partir da poda, a uva estará pronta para ser colhida. É dessa forma que ali colhem-se uvas da mesma planta duas vezes ao ano. E, como as videiras em ciclos diferentes estão lado a lado, sempre é tempo de vindima. Adorei contemplar a beleza do vinhedo em diferentes fases, formando um enorme tapete listrado, e provar vinhos e espumantes. Fui a três vinícolas no lado pernambucano (Rio Sol, Garziera e Bianchetti Tedesco, todas em Lagoa Grande) e duas no lado baiano (VSB, em Curaçá, e Terranova, em Casa Nova). Após a visita à unidade nordestina do Grupo Miolo (Terranova), embarquei no Vapor do Vinho para um passeio no lago de Sobradinho, formado pelo represamento das águas do Velho Chico.”
Antes: Serra da Capivara
"Como, além de vinho, gosto muito de história, aproveitei para esticar até São Raimundo Nonato, no Piauí (300 quilômetros de estrada pelo sertão nordestino), para conhecer o Parque Nacional da Serra da Capivara, reconhecido como Patrimônio Cultural da Humanidade pela Unesco. Meu interesse foi despertado por uma reportagem que comparava a importância dessa descoberta arqueológica às linhas de Nazca, Petra e Pompeia. Com 130 mil hectares – onde estão mais de 600 sítios arqueológicos e mais de 35 mil pinturas rupestres de até 12 mil anos, preservadas em imensos paredões das montanhas de arenito –, esse parque é a maior área de sítios pré-históricos do continente americano. Há trilhas sinalizadas que levam às ‘tocas’ (grutas) com pinturas rupestres milenares que retratam animais e cenas cotidianas (rituais, danças e caça) de civilizações extintas. Destaca-se a Toca do Paraguaio, primeiro sítio mostrado à arqueóloga Niéde Guidon, em 1970. Quando a noite cai, é hora de ir ao Boqueirão, onde o paredão com pinturas pré-históricas fica iluminado. Vale visitar o Museu do Homem Americano e o novo Museu da Natureza. Didático e interativo, mostra desde o surgimento do universo até a reacriação, com realidade virtual, de voo de asa delta sobre chapadas, planícies e cânions da região”.
Durante: vinícolas gaúchas
"Ainda não tive coragem nem vontade de entrar num avião para viajar, nem mesmo para destinos nacionais. Tenho preferido passeios de carro a lugares próximos. Conto com um grupo restrito de amigas com as quais vou a vinícolas menos movimentadas, e retorno no mesmo dia, priorizando atividades ao ar livre e sem aglomeração. Ao passear pelo Vale dos Vinhedos, percebi que diversas vinícolas criaram espaços externos, trazendo mais segurança aos visitantes. São esses lugares que busco nas minhas ‘escapadas’. Flores da Cunha, por exemplo, tem belíssimas paisagens e vilarejos encantadores como Otávio Rocha. Há as vinícolas de Nova Pádua e a tranquilidade de Vila Flores e Veranópolis. Nos próximos dias, pretendo ir a uma estância com olival, em Viamão. Percebi que a pandemia me fez resgatar o ‘olhar de poesia’ para apreciar paisagens e detalhes arquitetônicos do cotidiano que, não raras vezes, passavam despercebidos."
Depois: rumo à Itália
“Quando a pandemia acabar, pretendo viajar à Itália, onde estive muitas vezes e não canso de voltar. Tenho sangue e passaporte italianos, o que ajuda a explicar essa paixão. Pretendo passar 30 dias entre a Puglia e a Sardenha, aproveitando a beleza dos lugares e as delícias da vinicultura e da gastronomia. Fiz isso em setembro de 2019, no Piemonte e na Toscana, e pretendia repetir a experiência nos anos seguintes, em regiões diferentes. Aluguei um apartamento, para ter a vivência local, e viajei sozinha, para que a comunicação fosse só em italiano, para aprimorar a fluência.
Há algum tempo, minhas viagens são motivadas pela apreciação do vinho e pelo conhecimento das tradições e da cultura das localidades vitivinícolas, no Brasil e no mundo (registro minhas experiências enogastronômicas no perfil @pelomundodovinho). O vinho sempre fez parte da minha vida, mas a paixão pelo enoturismo surgiu há uns 10 anos. Percebi que, para mim, o prazer de beber um vinho era muito maior quando já conhecia a vinícola, a paisagem e as pessoas por trás daquele produto, pois o vinho vem acompanhado de boas histórias e memórias. Então, passei a tentar incluir vinícolas nos roteiros das minhas viagens de férias. Nos últimos anos, definitivamente encantada por enoturismo, tenho priorizado viagens para vinícolas no Brasil e no Exterior e conheço a região no tempo que sobra. É isso que pretendo retomar quando a pandemia acabar. Por enquanto, vou aproveitando por aqui, com responsabilidade e segurança. E, há muito o que fazer por perto! Basta estar aberta para a beleza e a poesia que há na simplicidade".