Pode parecer curioso que alguém que já viveu em oito países diferentes, visitou 101 nações, que guarda caixas e caixas com mapas impressos e mantém uma organizada planilha com registros de mais de 2 mil trechos aéreos percorridos pôde, um dia, ter medo de voar. Pois Aidir Parizzi, 49 anos, autor do recém lançado livro Mar Incógnito, tinha, ainda que viajasse desde pequeno com os pais. Sabe o que ele fez para superar? Quando morava em Houston (EUA), inscreveu-se em um curso de piloto privado. Na decolagem do primeiro voo solo, precisou driblar o fato de o instrutor ter deixado aberta uma das portas do pequeno avião. Outra vez, todos os instrumentos falharam e teve de pousar só com o auxílio da torre. Pronto, o que mais poderia acontecer?
O enfrentamento dos temores, mesmo que às vezes rezando, é algo que sobressai no livro de estreia do santa-cruzense radicado no Reino Unido. Desde a primeira viagem internacional sozinho, para a Bolívia e o Peru, aos 19 anos, quando o dinheiro da volta só deu para chegar até Uruguaiana e retornou com diagnóstico de hepatite A, passando pelo período vivido em Moscou, logo após a formatura em Engenharia na UFRGS e não muito depois da queda do Muro de Berlim. A bem da verdade, isso consolidou um estilo de viajar: de preferência na companhia apenas dele mesmo e com a certeza de que nem tudo sairá como planejado:
As constantes viagens e as nove mudanças de países me ensinaram que o exílio, no meu caso voluntário, não é simplesmente cruzar fronteiras (...). Os choques culturais e a necessidade de adaptação rápida, com critério e sem perder a própria essência, podem ser uma vantagem em um mundo em progressivas mudanças.
AIDIR PARIZZI
AUTOR DO LIVRO "MAR INCÓGNITO"
— Tenho a sensação de perder a essência da viagem quando não estou sozinho. Desde a primeira vez, também adotei a filosofia de que alguma coisa vai dar errado e isso é o melhor: a dificuldade é que gera o aprendizado.
Ele encontrou um jeito de fazer isso abrindo brechas nas muitas viagens a trabalho ou estudo – calcula ter feito de 80% a 90% de seus roteiros assim. Quando vai à Ásia, por exemplo, os períodos são de pelo menos 15 a 20 dias e ele dedica os finais de semana às andanças pessoais. É também quando escreve, registrando suas impressões no computador.
Mais velho de três irmãos, casado com a santa-cruzense Carolina, pai de Andrew, nove anos, e de Beatrice, sete, Aidir tem três nacionalidades: brasileira, italiana e estadunidense. Já perguntaram a ele, hoje executivo de uma multinacional britânica, se as constantes transferências significam uma fuga. Mas, como diz Aidir no livro, a viagem e a mudança o ajudam a se entender e se encontrar.
Não por acaso, num dos primeiros capítulos fala de suas origens: as paternas foram descobertas na região de Cremona, na Itália (na cidade que batiza a região, berço dos violinos Stradivarius, mais tarde ele acabaria comprando um apartamento). É na Itália que está sua cidade preferida: Florença, cujas ruas percorreu atrás do espírito de Dante Alighieri (“Se eu tivesse que sugerir a alguém um único local no mundo para conhecer, não precisaria pensar nem por um segundo”, diz ele à página 34). E se for de natureza que falamos, que lugar seria esse? O Rio de Janeiro. Aidir não se impressiona muito com monumentos e construções, mas se fosse eleger um, seria o navio Fram, usado em expedições polares entre 1893 e 1912, hoje navio-museu ancorado no porto de Oslo, na Noruega.
Você verá, ao ler Mar Incógnito, que o autor reserva 56 das 244 páginas à Rússia, especialmente Moscou, onde passou quatro meses trabalhando e estudando no Instituto Bauman. Estava decidido a fazer seu mestrado por lá, saiu para voltar em 30 dias, mas só retornaria 14 anos depois.
— Eu já havia visitado uns 15 países antes, mas Moscou foi o primeiro lugar que mudou a minha vida. Me senti fazendo parte de um lugar, me identifiquei com a cultura. Via a história acontecendo na minha frente. O que impressiona lá é o talento e o conhecimento. Não existe distração, as pessoas se dedicam àquilo que fazem — diz.
Mas o lugar gerou um trauma: um inesquecível e divertido porre de vodca, relatado no livro, fez com que jamais voltasse a tomar um gole da bebida. De outros perrengues, ficaria ainda com uma certa ojeriza a trilhos de trem (só aos trilhos!). Uma das histórias está em seus relatos. A outra foi em Chicago, quando, ao atravessar uma ferrovia, o carro da frente sofreu uma pane e ele teve de dar marcha a ré enquanto a cancela se fechava e o trem aproximava-se perigosamente.
Desde 1991, Aidir nunca havia ficado tanto tempo sem viajar como agora. A última viagem pré-pandemia foi ao Sri Lanka, o 101° país da lista, em março de 2020 – depois, esteve na Itália, em agosto, quando a covid-19 parecia ter arrefecido, e em janeiro veio a Santa Cruz após a morte repentina do pai. Essa abstinência se revelaria crucial para a conclusão de Mar Incógnito, que há muito planejava escrever e cuja base estava em crônicas semanais para o jornal Gazeta do Sul. E tem servido para preparar os dois próximos livros – o segundo com foco maior nos EUA, onde viveu por 12 anos, além de China e Índia; o terceiro, sobre o Brasil, com a visão de um nativo que vive fora do país há tanto tempo. Nas horas de folga, ainda se empenha em traduzir Mar Incógnito para os dois filhos. É também por eles que escreve.
O livro Mar Incógnito: Viagens, Experiências e Descobertas, de Aidir Parizzi, foi lançado pela Edições BesouroBox (besourobox.com.br), tem 244 páginas e custa R$ 54,90.
No (e do) Exterior
Música em NY
A programação de reabertura do Blue Note, tradicional clube de jazz de Nova York, ganhará um grande festival de jazz que irá de 15 de junho a 15 de agosto. Parte dos eventos será no palco de verão do Central Park, além da sede no Greenwich Village. Entre os músicos estão Chris Botti, John Scofield, Lisa Fischer, além de Ron Carter, que se apresentou em Porto Alegre em 2019, e John Pizzarelli, que esteve por aqui pela última vez em 2018. O clube no Rio segue fechado, mas ativo nas redes sociais.
Ópera em Paris
Os teatros da Ópera de Paris reabriram em 19 de maio. Por enquanto, estavam à venda só ingressos para espetáculos até 8 de junho e para visitação ao Palais Garnier, seguindo as normas do toque de recolher e de distanciamento locais. A partir de 26 de maio serão colocados à venda ingressos para as semanas seguintes, tendo em vista a flexibilização de locais e eventos e da capacidade de ocupação. Entre as atrações da reabertura estão a ópera Tosca, de Puccini, no Palais Garnier.
Podcast de Portugal
A jornalista Melina Gasperini, residente em Coimbra desde 2019, mantém o podcast Cusquices da Malta, com programas semanais às sextas. Ela divide com os ouvintes curiosidades do cotidiano de Portugal, para quem pretende morar lá ou só fazer turismo (quando der!). “É para quem gosta de Portugal, de viagens ou só quiser começar um assunto com algo mais interessante do que ‘será que chove?’”, resume Melina. Encontrável no Spotify, iTunes e Google Podcasts. Veja mais em @cusquicesdamalta