Havia gente do mundo inteiro reunida em Cancún (México), na semana passada, para discutir a situação do turismo, diante da pandemia, e, principalmente, seu futuro: ministros e chefes de Estado, representantes de operadoras, de companhias aéreas, de cruzeiro e de seguros, de hotéis e resorts, aeroportos, de plataformas digitais, jornalistas, um Nobel da Paz, o colombiano Juan Manuel Santos, e uma tenista oito vezes campeã em Wimbledon, Martina Navratilova.
O detalhe é que poucos estavam presentes no auditório do Palace Resort, com todos os protocolos atendidos: de forma híbrida, o Fórum Mundial de Turismo, organizado pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo (WTTC), teve painéis e palestrantes virtuais e milhares de pessoas puderam acompanhá-lo online. Assisti a quase todos os eventos, ao vivo ou gravados, e traço aqui um panorama do que foi discutido em dois dias.
Um dos consensos é de que o setor, diante das dificuldades, é resiliente e ágil, mas precisa repensar sua atuação. "Hotéis de luxo em comunidades pobres não é uma boa fórmula", ponderou Jose´ Carlos Azcárraga, diretor executivo do grupo hoteleiro Posadas, numa constatação que ultrapassa a pandemia. Há outras que vieram na premência do coronavírus e podem ser traduzidas numa campanha lançada pela Colômbia: ainda com fronteiras fechadas (a diretora executiva do ProColombia, Flavia Santoro, afirma que a reabertura só ocorrerá quando estiverem "prontos"), o país que tem no turismo sua segunda fonte de receita lançou um guia com um título que resume novas diretrizes aplicáveis em qualquer lugar: contemplar, compreender, conservar.
O tema do evento do WTTC, "Unindo o mundo para a recuperação", em tradução livre, retrata a intenção de congregar iniciativas públicas e privadas para retomar uma das atividades mais duramente atingidas pela pandemia.
Dados e constatações
* Em amplo crescimento nos últimos 10 anos, o turismo representava 10,5% do PIB mundial em 2019 e teve queda de 49,1% em 2020. Um palestrante resumiu: o mundo deixou de viajar.
* Na Europa, em 2019, o setor movimentou US$ 600 bilhões, equivalente a 37% de todo o gasto internacional. Houve redução de 10% nos empregos na União Europeia (os números variam para até 50% conforme a região do mundo; no Brasil, segundo o ministro do Turismo, 45% dos empregos foram perdidos).
* 54% dos trabalhadores do setor são mulheres e elas foram mais afetadas pelos efeitos da pandemia.
* Tudo se altera muito rápido em relação aos protocolos de segurança, e a indústria turística precisa de agilidade para acompanhar as mudanças. As decisões têm de ser tomadas com base em dados sanitários e estatísticos. Certo é que não será fácil viajar nos próximos meses ou anos.
* Turistas encaram com tranquilidade a obrigatoriedade de testes e vacinas, mas submeter-se a quarentenas nos destinos tem se revelado um problema. O turista pré-pandemia só queria viajar e desfrutar, ao menor custo possível; agora, não: ele pensa no que quer, onde quer ir e no que quer gastar seu dinheiro.
* O desafio da indústria turística será proporcionar viagens seguras e boas experiências, sem interrupções. O viajante tem um temor básico: ir, mas não conseguir voltar para casa.
* As marcas que se comportaram melhor e atenderam de forma satisfatória os viajantes no pico da crise conquistaram um público fiel.
* A principal apresentadora do WTTC Summit, a jornalista Kathleen Matthews, e outros moderadores dos painéis insistiram na ideia de nuvem de palavras com os participantes, para resumir o último ano e projetar o futuro. Eis algumas das palavras mais citadas: resiliência, humildade, transparência, comunicação, segurança, autenticidade, turismo doméstico, descentralização, diversificação, viagens de experiência, digitalização e tecnologia, flexibilidade, inclusão, agilidade, sustentabilidade, responsabilidade e oportunidade.
Bons exemplos
* Após 11 meses fechados, parques nacionais reabertos nos EUA tinham entre seus visitantes 95% de vacinados. Até junho, todos devem estar reabertos para receber grupos de, no máximo, 10 pessoas.
* Em 2020, 90% dos passageiros da Amtrak, a empresa de trens estatal nos EUA, eram de novos viajantes, especialmente pessoas que antes faziam cruzeiros pelo mundo.
* Em Dubai, nos Emirados Árabes, 75% dos funcionários dos aeroportos estão vacinados e quem não quer tomar a vacina pode submeter-se a testes PCR a cada semana. Para os passageiros, intensificou-se a verificação digital de documentos e reconhecimento facial e por meio da íris, para evitar contatos.
* A Japan Airlines disse não ter demitido nenhum funcionário durante a crise, ainda que as fronteiras do país estejam fechadas e só devam ser reabertas quando a epidemia for considerada controlada (o país, para lembrar, será sede dos Jogos Olímpicos, entre 23 de julho e 8 de agosto, apenas para o público japonês).
* Nas Filipinas, a secretária nacional de Turismo, Bernadette Romulo-Puyat, lembrou que, no país composto por 7.641 ilhas, nas catástrofes naturais é evocado o "espírito bayanihan", um sentido de comunidade para que todos trabalhem juntos para o bem-comum, o que, segundo ela, tem ajudado a reduzir o grave impacto nos empregos.
* Realizar testes gratuitos para todos os visitantes foi o jeito que Bermudas encontrou para seguir com fronteiras abertas e garantir segurança de turistas e moradores, informou o primeiro-ministro David Burt.
* No meio da pandemia, o grupo hoteleiro Room Mate ampliou em uma semana o período de férias dos funcionários e equiparou a licença paternidade à da maternidade. No (re)treinamento do pessoal, a orientação é a máxima atenção aos hóspedes. "Mesmo de máscara, se pode sorrir com os olhos", diz Kike Sarasola, presidente do grupo.
Futuro
* Com a demanda em alta e o desejo de mover-se pelo mundo — o ministro de Turismo da França, Jean-Baptiste Lemoyne, disse sentir-se como um ex-fumante em crise de abstinência comparado à falta de viagens — , será preciso eliminar o medo e a incerteza, para que as pessoas sintam-se seguras, com regras homogêneas e razoáveis nos diferentes destinos (no caso de serem exigidos passaportes sanitários, é preciso atenção para que não sejam discriminatórios, observou o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez).
* Uso de ferramentas digitais para fazer a gestão do turismo: o viajante exigirá que todo o processo da cadeia turística seja digital, do momento da compra ao check-in/check-out, para estar bem informado e evitar contatos e filas. Após mais de um ano de pandemia, as pessoas estão mais abertas à tecnologia, acredita o setor.
* Roteiros domésticos (bons e exequíveis), muitos de carro, no próprio país, região ou mesmo cidade, e, principalmente, ligados à natureza e aventura, o que exige mudanças no planejamento das operadoras.
* As viagens deverão ser menos frequentes e mais prolongadas, com espírito slow travel, sem pipocar entre um destino e outro. Outra tendência é a dos "nômades", pessoas que estão se hospedando em destinos próximos da natureza, em resorts e hotéis, trabalhando a distância por longos períodos.
* As pessoas também preferirão áreas de baixa densidade ao ar livre (Barcelona e Veneza, dois símbolos do overtourism, estão se reorganizando para evitá-lo), caiaque ao catamarã, minivan ao ônibus.
* Experiências e convivência com moradores locais estarão em alta, entendendo como vivem, trabalham, se divertem, sensibilizando governos e outros envolvidos pelo fim do tráfico e prostituição infantil e de mulheres.
* Um dos painelistas mais aplaudidos, o espanhol Luis García Codrón, da operadora Europamundo Vacaciones, lembrou que o medo, no passado, era ligado a uma possível guerra nuclear, mas agora há um novo inimigo que mostrou que mover-se pelo mundo não deve mais ser sinônimo de deteriorar o planeta e que o turismo pode ser exemplo do exercício de tolerância e respeito ao diferente e a outras culturas.