Da primeira vez que se visita a capital de um país, parece uma heresia sair dela para conhecer seus arredores. Primeiro, é preciso desvendar a cidade, em geral grande, pelo menos seus pontos obrigatórios apontados nos guias, nos roteiros, nos aplicativos de viagem, nas dicas dos amigos... Numa segunda vez, quem sabe? Mas aí pode ser a hora de se concentrar nas sugestões dos moradores, nos recantos escondidos, os lugares não comuns. Então, caso surja a oportunidade, quem sabe na terceira visita?
Assim aconteceu, no meu caso, com Amsterdã, a capital holandesa, que nem é das maiores capitais europeias, mas tem tantas atrações, que soa desperdício afastar-se dela. Nas viagens anteriores, tinha feito passagens rápidas por Haia (só para ver a Moça com Brinco de Pérola), Delft e por Keukenhof, o jardim das tulipas. Por fim, na terceira, com não muito tempo, mas já mais relaxada, tendo a cidade das bicicletas como ponto de partida, passei a explorar lugares a cerca de uma hora de trem/ônibus, todos muito fáceis de se chegar e com muita coisa legal para ver.
O básico em cada uma delas coube num dia, mas também valeria o retorno.
ZAANSE SCHANS e seus moinhos de vento
Durante o século 17, mais de 600 moinhos de vento foram construídos na área em torno de Zaanse Schans, em Zaandam, a menos de meia hora de trem da Estação Central de Amsterdã. Já da estrada é possível avistá-los, e a pé, a partir da estação, é muito fácil alcançá-los. Ainda assim, preferi antes visitar o outro lado do Rio Zaan, para conhecer uma antiga vila da vizinha Zaandijk, parte da área industrial que hoje, restaurada, virou uma disputada zona residencial. Uma paradinha para o café antes de cruzar a ponte (móvel como a maioria das pontes, no intrincado sistema de canais holandeses).
É ali que fica Zaanse Schans, um museu a céu aberto onde dá para ver diferentes moinhos e suas funções — para moer especiarias, produzir tinta, cortar madeira e fazer óleo. Para ter uma visão de todos, resolvi fazer um "cruzeiro" de 45 minutos (custa cerca de R$ 60).
A tentativa de tornar o passeio mais divertido, com personagens fazendo vozes como se fossem os moinhos, é meio esquisita, mas o panorama vale a pena. Se achar chata a narração, basta não usar os fones. Você perderá as informações, mas elas podem ser recuperadas depois em terra.
Dá para visitar o interior de moinhos que, além do maquinário original, abrigam lojinhas de suvenires, já que o lugar é absolutamente turístico. Há na região também muitos museus: o Museumwinkel é uma antiga mercearia; o Bakkerijmuseum preserva a panificação tradicional; o Honig Breethuis mostra como era a casa da família de um comerciante do século 19. Há outros com relógios, utensílios, roupas e pinturas.
HAARLEM, paixão à primeira vista
Não peça para explicar, talvez com você não aconteça assim, mas foi um caso de amor à primeira vista. Talvez tenha sido o fato de, sem sinal no smartphone, ter comprado um mapa por 50 centavos de euro e ter recebido, já no primeiro contato, uma aula de como conhecer Haarlem em um dia. Simpatia de morador ganha muitos pontos para a cidade. Ou pode ter sido também a emoção de ter acompanhado, na catedral de São Bavão, uma dupla afinar um órgão que foi tocado por Mozart quando ele tinha 10 anos (em 1766). Ou, ainda, a descoberta de que é ali que está enterrado o pintor Frans Hals, um dos três grandes da era dourada holandesa, ao lado de Rembrandt e Veermer, e de ter visitado sua casa.
De qualquer forma, um ponto de partida básico no centro histórico é a Grote Markt, a praça central, onde ficam as duas atrações que mencionei logo acima. Só caminhar pela ruelas valeria a ida, mas eu resolvi aproveitar boa parte do tempo daquele dia cinzento para a segunda etapa do Museu Frans Hals, já que a primeira, uma casa na Grote Markt, abriga arte moderna. Aprendi, na visita ao museu, que Hals (1582-1666) foi um dos pintores mais copiados e imitados ao longo de séculos, com seus retratos impressionantes.
Também são famosos em Haarlem a celebração de 5 de maio, o Dia da Libertação (há um monumento próximo à estação lembrando a data), e a Parada das Flores, no final de abril.
Na chegada ou na saída da cidade, vale uma atenção à estação de trem: o prédio original é de 1842 e tem no seu interior coloridos azulejos representando meios de transporte.
UTRECHT: não vá se for segunda-feira
Cidade certa, dia errado. Fui numa segunda-feira conhecer Utrecht. Explico: é que há um interessante bairro dos museus, numa área que já foi a mais aquinhoada da cidade, mas como era segunda-feira... eles não abrem, como a maioria dos museus no mundo inteiro. Então, o jeito foi circular.
Fundada no ano de 47 pelos romanos, Utrecht sempre foi rica e importante. De cara, no centro histórico, o que sobressai (e será seu ponto de referência) é a domtoren, a torre da catedral, separada dela ao ser atingida por um tornado em 1647. Em reforma quando fui, não pude subir seus 465 degraus para apreciar a vista. Mas a visita à catedral é mais do que recomendável para entender a história de Utrecht.
Depois disso, me senti livre para caminhar ao longo dos dois canais _ o novo e o velho. O legal é que, em alguns pontos, há acessos por escadas que levam à sua beira e onde há bares, cafés, galerias de arte e restaurantes, além de residências. À noite, pode-se fazer esse caminho demarcado por uma iluminação cenográfica.
Para me recobrar da caminhada da manhã e início da tarde, uma parada para almoço/lanche: deliciosos "croquetes de Utrecht", uma espécie de bitterballen, os famosos bolinhos holandeses de carne (a diferença está apenas no formato, o primeiro mais comprido, o segundo arredondado, me explicaram). Fiquei com gosto de "quero mais" (croquetes e Utrecht).
DELFT, entre porcelanas e História
Se você já foi à Holanda, deve ter ouvido falar na porcelana de Delft (branca, pintada de azul), onipresente em peças mais baratas nas lojinhas de suvenir. Pois ela vem, como o nome diz, de... Delft, uma cidade do século 11 que tem um incrível ar jovem por conta de sua universidade.
Já escrevi sobre ela na minha coluna, mas não custa repetir: vá! Fica a uma hora e pouquinho de Amsterdã. Só não deixe, como eu, para tentar comprar as porcelanas por lá. As peças, em geral, são mais caras do que na capital. Esqueça a porcelana e concentre-se na cidade, rica em história. Aqui, o chamado "Pai da Pátria", Guilherme de Orange, foi assassinado e enterrado, em 1584. Ele comandou a resistência ao governo espanhol na Guerra dos 80 Anos e a vitória resultou em liberdade religiosa e independência do país. Para passear, o destino certo e óbvio é o Markt, a praça central. Enquanto ainda está descansado, visite a Nieuwe Kerk, a antiga igreja de Santa Úrsula, transformada em templo protestante e onde estão os mausoléus da família real. Subindo os cem metros de escada que levam à torre e seus incontáveis e estreitos degraus, vá até o alto para ter vistas belíssimas. Você verá dali, por exemplo, bem de frente, o prédio da prefeitura, com características renascentistas.
A cidade é a terra do pintor Vermeer, autor de Moça de Brinco de Pérola e Vista de Delft, e seu túmulo está na Old Kerk. Há também um museu dedicado a ele, com uma réplica de Moça de Brinco de Pérola. Próximo da Old Kerk (guie-se pela torre), fica o Stedelijk Museum Het Prinsenhof, antigo convento que abriga o museu histórico de Delft e o local onde Guilherme de Orange foi assassinado por um católico fanático. No mais, é caminhar ao longo dos canais e observar a arquitetura e a beleza. Você entenderá melhor a famosa pintura de Vermeer só de observar a paisagem.
MUIDEN e o castelo de sete séculos
Estava tão perto que usei um aplicativo de transporte para ir até Muiden, onde dá para chegar de carro, trem, ônibus, barco ou bicicleta. Meu interesse ali era o castelo, o Muiderslot. O que eu não sabia era que a cidadezinha que o abriga (ou que cresceu em torno dele) seria também tão agradável de visitar. De qualquer forma, comece pelo castelo, pois a visita pode/deve ser bem demorada.
Construído há mais de 700 anos, está quase na foz do Rio Vecht e teve como morador mais famoso o poeta P. C. Hooft. No século 19, chegaram a pensar em demolir a construção — foi quando a salvaram e transformaram em museu. Cometi o erro de visitar primeiro a área externa, gigante, com uma exibição de falcões, jardim, horta e pomar e um centro educacional que explica o sistema de proteção de canais na Holanda. Tudo lindo e interessante, mas é que o castelo é grande e tem uma enorme coleção de armaduras e armas medievais. Há muita interatividade e é um lugar que certamente agrada a crianças .
TAMBÉM NÃO DEIXE DE IR PARA...
HAIA — Na terceira cidade mais populosa da Holanda ficam a sede do governo e de muitos organismos internacionais. Mas eu fui só para ver um quadro: Moça com Brinco de Pérola (o da foto ao lado), de Vermeer, na Galeria de Arte Mauritshuis. Há outras obras importantes no museu, como Vista de Delft, do mesmo Veermer, e A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, de Rembrandt.
KEUKENHOF — Um dos mais bonitos jardins públicos do mundo, tem 32 hectares e mais de 6 milhões de bulbos plantados. As tulipas costumam ser as mais procuradas, mas há narcisos, jacintos e milhões de flores para se ver. Preste atenção: é preciso acompanhar a data da abertura do jardim, entre março e maio.