Perdi a conta do número de relatos de casais que largaram uma vida confortável e empregos estáveis para se jogar no mundo já publicados aqui no Viagem (em edição recente, revisitamos a história de alguns deles; confira no link).
O que não diminui a aventura e o interesse por novos depoimentos, como este que me chegou dias atrás: no início de 2017, os porto-alegrenses Miguel Baladão, analista de sistemas de 40 anos, e Karine Rufino, educadora social de 38 anos, criaram um canal no YouTube chamado Pernas pelo Mundo para mostrar que dá para viajar de forma sustentável e econômica — eles apresentam dicas de turismo de aventura, trekking e atrações urbanas, sempre com sugestões de alternativas mais baratas. Pouco depois, eles venderam pertences, alugaram o apartamento na Capital e partiram num mochilão por Europa, África e Ásia, com a previsão de um ano de duração (estão na estrada desde setembro do ano passado, iniciando pelo Caminho de Santiago de Compostela).
Há quatro meses, estão na Ásia, onde já passaram por cinco países: Tailândia, Malásia, Filipinas, Indonésia e Camboja. Por e-mail, fiz a eles algumas perguntas, que foram respondidas assim pelo Miguel:
Por que largar tudo e sair pelo mundo?
Ambos estávamos insatisfeitos com nossas áreas de trabalho e nossas rotinas. Pretendíamos mudar de área ou abrir um negócio próprio, mas nada fluía. Trabalhei por 18 anos em uma área sem afinidade comigo e acredito que muitas pessoas também se submetem a trabalhar no que não gostam para viver. Com isso, comecei a estudar investimentos e a investir minhas economias, praticando uma vida cada vez mais minimalista. Avaliava que, se trocasse de carro ou de celular _ coisa que nos incentivam incessantemente a fazer _, este ciclo de descarte e reposição nunca teria fim. Karine e eu acreditamos que a vida não deve ser desfrutada só para pagar contas. Nossa viagem seria um plano de recomeço, sem medo, saindo da nossa zona de conforto.
Como é a rotina de um casal que passa 24 horas por dia junto?
Nos conhecemos no Tinder há um ano e meio e, de cara, vimos muitas afinidades e sonhos em comum: ambos somos bastante aventureiros, gostamos da natureza e de viajar. Foi tudo muito intenso: em três meses começamos a namorar, criamos o projeto, a ideia da viagem e fomos morar juntos para reduzir mais ainda os custos. Obviamente temos nossas diferenças, e a convivência 24 horas por dia às vezes é complicada, mas estamos aprendendo a lidar com isso. É um exercício de paciência, respeito e compreensão que fortalece e enriquece a nossa relação.
Como é que vocês se sustentam viajando?
Temos basicamente duas fontes de renda: juros de investimentos e aluguel de apartamento. Também recorremos, eventualmente, a experiências de "work exchange" (troca de trabalho por hospedagem/alimentação) _ fizemos uma vez na Malásia e acabamos de fazer outra numa fazenda sustentável no interior do Camboja. Isso dá uma estabilizada no orçamento. Estamos abertos a patrocínio.
O que significa "viajar barato"? Como se alimentam, se hospedam, se deslocam? Quanto vocês calculam que gastam por mês para sobreviver?
Nós privilegiamos, na maioria das vezes, os custos mais baixos para tudo _ temos um vídeo, no nosso canal do YouTube, sobre 10 dicas de economia para viajar barato. Por exemplo:
Alimentação - Procuramos restaurantes locais ou de comidas de rua (quanto menos turístico, melhor) e, quando possível, compramos no mercado e preparamos nossa própria refeição.
Hospedagem - Usamos ferramentas de busca (Hostelworld, Airbnb e Trivago) e comparamos entre os três para ver os preços mais baratos. Já ficamos várias vezes em hostels, com quartos compartilhados.
Deslocamento - Os trechos curtos, de dois a três quilômetros (às vezes bem mais), normalmente fazemos a pé. Para trechos mais longos também conferimos o que sai mais barato no aplicativo Rome2rio. E, sendo voo, pesquisamos no Skyscanner, que indica os dias e horários mais baratos para o destino que se quer.
Ainda assim, estamos gastando mais do que o previsto: média de R$ 6 mil/mês para o casal, incluindo todos os custos.
Qual o lugar mais bacana que visitaram? Qual o mais curioso? Há algum para onde não voltariam jamais?
As ilhas das Filipinas são sensacionais! Boracay, Palawan e Coron têm praias das mais lindas que já vimos! O lugar mais curioso talvez seja na praia de Phra Nang, na Tailândia, onde há uma gruta cheia de oferendas de pênis de todos os tamanhos, cores e formatos, em homenagem à deusa hindu da fertilidade que teria morrido ali.
O que vocês tiram de aprendizado dessa viagem até agora?
A nossa viagem começou em setembro de 2017 com a peregrinação pelo Caminho de Santiago. Escolhemos esse trekking como símbolo da nossa transição de modelo de vida. E nos 800 quilômetros de caminhada se tem bastante tempo para pensar na vida... De lá pra cá, confirmamos duas lições: não precisamos de muito pra viver bem, consumindo menos, acumulando menos bens e vivendo mais experiências; não importa a distância de um objetivo, de um projeto ou de um sonho. Caminhando passo a passo, dia após dia, se constrói um caminho. E o caminho geralmente não vai ser fácil!