Ainda não vi o filme que dá título a este texto. Mas o vencedor na categoria Melhor Animação no Globo de Ouro, no domingo, me fez lembrar de muitas histórias vividas no México, uma inesquecível viagem de quase um mês por aquele país inacreditável e, que pena, também dominado pelo tráfico como uns e outros que a gente conhece.
Não é só o tema México que me motivou a recuperar essas lembranças, mas o argumento do filme, que trata de um menino que quer ser músico e, para isso, precisa superar os preconceitos da família com a profissão. Soa até estranho. No México, a música está por toda parte, onde se espera ou não, ainda que o lugar seja turístico.
É o caso.
Nessa viagem, embarcamos na Rosalinda, uma trajinera conduzida por um homem chamado Roberto, que era, digamos, nosso gondoleiro. É com esses barquinhos supercoloridos que se conhecem os canais de Xochimilco, uma espécie de Veneza nos arredores da Cidade do México. Os canais se formaram a partir do aterramento do lago de mesmo nome e de um conjunto de outros lagos, incluindo o Texcoco, sobre o qual a capital mexicana foi construída.
Voltando à nossa trajinera: em cada uma delas, há cadeiras de palha e mesas. Paga-se pelo barco, independentemente do número de pessoas (em valores atuais, cerca de R$ 85 por hora). Dá para almoçar a bordo, inclusive. De minha parte, fiz ali meu primeiro e último encontro com um mole poblano, prato típico, como o nome diz, de Puebla. Para resumir este em questão: frango com pelo menos cinco tipos de pimentas diferentes e chocolate, entre outros ingredientes. Deve existir algum melhor do que esse que experimentei, mas a receita não terá uma segunda chance comigo.
E já por ali mesmo tratei de esquecer a experiência gastronômica compensando com a vista e a companhia agradáveis.
É tudo muito verde, há jardins e hortas em canteiros semiflutuantes a que chamam de chinampas – é dessa região que sai boa parte das flores, frutas e verduras vendidas em mercados da capital.
Turistas são muito bem-vindos pelos empreendedores locais. Dá para enxergar um cifrãozinho em cada pupila de quem se aproxima das embarcações. No início é divertido, depois passa a ser incômodo os outros barcos se aproximando da trajinera para oferecer de tudo: flores, artesanato, comida, bebida...
Mas há no trajeto outras cenas que compensam: um piquenique familiar, uma festa de casamento e as paradas rápidas para quem precisa urgentemente de um banheiro, posicionado estrategicamente às margens. E há, claro, trajineras que conduzem mariachis. A primeira, ao longe, parecia uma visão. A música era conhecida, divertida, e tinha tudo a ver com o lugar. Pelo menos para nós. E eles vêm chegando, chegando, chegando muito perto. Até emparelharem com nosso barco. Até colocarem o pé no nosso barco. Até ficarem dentro dele!
Fotos, fotos, fotos. As roupas típicas, os instrumentos, as músicas. Fotos, fotos, fotos. E toca essa e toca aquela e pede mais uma. Mais uma, mais uma. Que lindo, como são simpáticos e criativos.
Até descobrirmos que cada música tocada valia alguns muitos pesos, que cada foto também tinha seu preço e que esse pacotinho custaria muito mais caro do que o resto todo do passeio. Azar. Viva: A vida é uma festa.