A avalanche de informações divulgadas nos últimos dias sobre o volume de dinheiro movimentado em apostas online é o atestado de que o governo e o Congresso foram omissos (ou coniventes) e agora terão de correr atrás do prejuízo. Os números são superlativos e mostram que não há nada de inocente no ato de "jogar", "brincar" ou "apostar", três palavras usadas equivocadamente como sinônimos na propaganda das bets que se multiplicam pelo país.
A expressão “jogue com responsabilidade”, dita com diferentes entonações por artistas, atletas, comunicadores e influenciadores, é apenas uma frase de efeito, que não faz sentido para os viciados em apostas online. Jogar com responsabilidade seria só apostar o dinheiro que está sobrando? Ou o que sobra depois de uma poupança para a aposentadoria ou para a compra de um durável? O que não impacta na alimentação da família? O valor que não é tirado do material escolar das crianças? Ou o jogo eventual, que não provoca dependência?
Jogue com responsabilidade é uma abstração e os números mostram que milhões de brasileiros estão sacrificando a família ou se privando de bens essenciais na esperança vã de que ficarão ricos apostando em jogos de azar. Dinheiro do Bolsa Família, que não cobre as necessidades essenciais, está sendo desviado por beneficiários na esperança de multiplicar o pouco. Resultado? Em vez pagar a conta da luz, o carnê da compra da geladeira ou o armazém que lhe vendeu fiado, há chefes de família apostando no tigrinho ou em quantos cartões amarelos o zagueiro do seu time vai levar. Isso lá é responsabilidade?
Arrombada a porta, o governo estuda remendos porque descobriu, alertado pelos bancos e pelas entidades do comércio, que a inadimplência aumentou e o consumo caiu pela concorrência das bets. Estudam-se medidas de emergência, como bloquear o CPF de quem está jogando além da conta (quem haverá de calcular o limite?) ou antecipar as exigências previstas na regulamentação que só entraria em vigor em janeiro de 2025.
É repetitivo apontar a hipocrisia que ronda o debate sobre jogos no Brasil há muitos anos. Mesmo quando só a Caixa Econômica Federal podia explorar loterias, já era estranho proibir os cassinos alegando risco de desestruturação das famílias. Agora que basta tirar o telefone do bolso para apostar o que se tem o que vai faltar no fim do mês, os cassinos seriam o mal menor.
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