Jornalista formada pela PUCRS, colunista de Política de ZH e apresentadora do programa Gaúcha Atualidade, na Rádio Gaúcha.

Crônica de domingo
Opinião

Breve história de um brasileiro pobre que deu certo na Alemanha

Há 26 anos, Fabiano da Cunha Miguel, ou simplesmente Fabio, migrou para Hamburgo e hoje é um chefe de cozinha disputado por milionários

Rosane de Oliveira

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Rosane de Oliveira / Arquivo pessoal
Fabiano da Cunha Miguel foi para Hamburgo, na Alemanha, em 1998.

Na noite em que chegamos a Hamburgo, na Alemanha, recebi um abraço carinhoso de um rapaz de idade indefinida, que disse ter rezado muito por mim quando estive em tratamento médico. Contou que seu pai é ouvinte da Rádio Gaúcha e ele também me acompanha daqui, porque temos em comum a paixão pelas flores e pelas árvores.

Quem nos apresentou foi a deputada Nadine Anflor, de quem ele é amigo desde que ela assumiu a chefia de Polícia, no primeiro governo de Eduardo Leite. Seu nome: Fabiano da Cunha Miguel, ou simplesmente Fabio, é chefe de cozinha e dono do Filón, café e bar de tapas, e de uma empresa de telentrega que emprega 238 pessoas em 12 lojas. Mais do que isso, é um cozinheiro disputado por milionários que o levam em seus aviões particulares ou em voos de primeira classe.

Até aqui, não há nada de extraordinário na sua história. Milhares de brasileiros têm negócios no exterior. Impressionante é a trajetória dele, contada ao governador Eduardo Leite na noite de sexta-feira (19), quando ofereceu um jantar ao grupo que o acompanha na viagem à Europa.

Nascido em Sombrio, Santa Catarina, Fabiano passou a infância trabalhando na roça. O pai, plantador de melancia e de produtos de subsistência, não tinha muito a oferecer além de apoio moral e incentivo ao trabalho honesto. Aos 17 anos, com a sétima série incompleta, o catarinense concluiu que não queria aquela vida para sempre e foi para Porto Alegre em busca de emprego.

Com pouca instrução, o máximo que conseguiu foi uma vaga de repositor de mercadorias no hipermercado BIG, da Sertório. Alugou uma peça nos fundos de uma casa e aos poucos foi mobiliando com o essencial. Depois de cinco anos, ao chegar em casa, encontrou a locatária abatida e ouviu a frase que mudaria seu destino:

— Levaram tudo.

Tudo, era tudo mesmo. Foi então que ele decidiu sair do Brasil. Comprou uma passagem só de ida para Portugal e foi fazer o trabalho pesado que os europeus refugam. Lá conheceu um alemão que o estimulou a mudar-se para Hamburgo. Com 500 marcos alemães no bolso, desembarcou na cidade portuária alemã e descobriu que nada conseguiria se não aprendesse o idioma. Vivendo de favor na casa de uma família local, empregou todo o dinheiro num curso de alemão e dedicou-se a estudar. Ao final do semestre, sem trabalho e sem dinheiro para voltar ao Brasil, era o que se poderia chamar de um homem sem eira nem beira.

No último dia de aula, a escola organizou uma festa de despedida para os alunos estrangeiros que voltariam para seus países. O combinado era que cada um levaria alguma coisa para a confraternização. Como não podia comprar, lembrou-se das receitas da avó e pediu à família que o hospedava para fazer um bolo. Fez e agradou ao paladar do diretor da escola, que perguntou o que ele pretendia fazer. Ao ouvir que não tinha nada em vista, o alemão lhe abriu as portas do futuro:

— Aqui na Alemanha, só não estuda quem não quer. Você vai continuar nesta escola até se tornar fluente e enquanto estuda vá fazendo seus bolos para vender.

Vendendo fatias de bolo na rua, foi tomando gosto pela cozinha e ampliando o repertório e passou a ser requisitado para cozinhar para pessoas de posses, até abrir seu primeiro restaurante, na casa onde hoje é o Filón. Hoje, Fabio, como ficou conhecido, viaja pelo mundo cozinhando para milionários. Sua rede de clientes vai do bilionário alemão Stefan Zuschke à dona do Magazine Luiza, Luiza Trajano, a quem ele chama de Luizinha.

Zuschke nos recebeu em sua cobertura no icônico Elbphilarmonie, o edifício de arquitetura mais marcante de Hamburgo, com salas de concertos, restaurantes e a maior escada rolante da Europa. Com vista para toda a cidade, o apartamento tem uma cozinha em local nobre.

— Esta é a minha cozinha — apresentou Fabio ao ex-governador Ranolfo Vieira Júnior, sua assessora Flávia Colossi e a mim.

Ele também cozinha para a família de Zuschke em Nova York, onde vive a esposa do simpático empresário.

Como fomos parar no 23º andar do Elbphilarmonie, numa manhã de sábado? Na noite anterior, Flavia perguntou a Fabio onde poderia comprar uma camisa do Bayern para seu neto. Em vez de indicar uma loja, o generoso chef disse que tinha ia ligar para um amigo. Fez a ligação, falou dois minutos em alemão e disse que que no dia seguinte a Flávia poderia acompanhar o passeio que tínhamos combinado. Iríamos à casa desse amigo buscar a camiseta. Assim foi.

O resto do dia passei circulando pela cidade tendo como guia turístico de luxo o marido de Fabio, o simpático Klaus, que fala português e apresentou lugares incríveis de Hamburgo a mim, à secretária Tânia Moreira, ao presidente da Famurs, Luciano Orsi, e ao ex-prefeito de São Miguel das Missões Mario Nascimento. Depois de caminhar mais de 20 quilômetros, terminamos a excursão em um restaurante de mais de cem anos que tem as paredes repletas de fotos de clientes famosos (com o proprietário), como Woody Allen e Bonnie Tayler.

Voltarei para casa com uma camisa do time alemão, pacotes de sementes de flores, temperos e um bolo de chocolate, presentes de um brasileiro cuja história achei que merecia dividir com os leitores.

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