Na noite em que chegamos a Hamburgo, na Alemanha, recebi um abraço carinhoso de um rapaz de idade indefinida, que disse ter rezado muito por mim quando estive em tratamento médico. Contou que seu pai é ouvinte da Rádio Gaúcha e ele também me acompanha daqui, porque temos em comum a paixão pelas flores e pelas árvores.
Quem nos apresentou foi a deputada Nadine Anflor, de quem ele é amigo desde que ela assumiu a chefia de Polícia, no primeiro governo de Eduardo Leite. Seu nome: Fabiano da Cunha Miguel, ou simplesmente Fabio, é chefe de cozinha e dono do Filón, café e bar de tapas, e de uma empresa de telentrega que emprega 238 pessoas em 12 lojas. Mais do que isso, é um cozinheiro disputado por milionários que o levam em seus aviões particulares ou em voos de primeira classe.
Até aqui, não há nada de extraordinário na sua história. Milhares de brasileiros têm negócios no exterior. Impressionante é a trajetória dele, contada ao governador Eduardo Leite na noite de sexta-feira (19), quando ofereceu um jantar ao grupo que o acompanha na viagem à Europa.
Nascido em Sombrio, Santa Catarina, Fabiano passou a infância trabalhando na roça. O pai, plantador de melancia e de produtos de subsistência, não tinha muito a oferecer além de apoio moral e incentivo ao trabalho honesto. Aos 17 anos, com a sétima série incompleta, o catarinense concluiu que não queria aquela vida para sempre e foi para Porto Alegre em busca de emprego.
Com pouca instrução, o máximo que conseguiu foi uma vaga de repositor de mercadorias no hipermercado BIG, da Sertório. Alugou uma peça nos fundos de uma casa e aos poucos foi mobiliando com o essencial. Depois de cinco anos, ao chegar em casa, encontrou a locatária abatida e ouviu a frase que mudaria seu destino:
— Levaram tudo.
Tudo, era tudo mesmo. Foi então que ele decidiu sair do Brasil. Comprou uma passagem só de ida para Portugal e foi fazer o trabalho pesado que os europeus refugam. Lá conheceu um alemão que o estimulou a mudar-se para Hamburgo. Com 500 marcos alemães no bolso, desembarcou na cidade portuária alemã e descobriu que nada conseguiria se não aprendesse o idioma. Vivendo de favor na casa de uma família local, empregou todo o dinheiro num curso de alemão e dedicou-se a estudar. Ao final do semestre, sem trabalho e sem dinheiro para voltar ao Brasil, era o que se poderia chamar de um homem sem eira nem beira.
No último dia de aula, a escola organizou uma festa de despedida para os alunos estrangeiros que voltariam para seus países. O combinado era que cada um levaria alguma coisa para a confraternização. Como não podia comprar, lembrou-se das receitas da avó e pediu à família que o hospedava para fazer um bolo. Fez e agradou ao paladar do diretor da escola, que perguntou o que ele pretendia fazer. Ao ouvir que não tinha nada em vista, o alemão lhe abriu as portas do futuro:
— Aqui na Alemanha, só não estuda quem não quer. Você vai continuar nesta escola até se tornar fluente e enquanto estuda vá fazendo seus bolos para vender.
Vendendo fatias de bolo na rua, foi tomando gosto pela cozinha e ampliando o repertório e passou a ser requisitado para cozinhar para pessoas de posses, até abrir seu primeiro restaurante, na casa onde hoje é o Filón. Hoje, Fabio, como ficou conhecido, viaja pelo mundo cozinhando para milionários. Sua rede de clientes vai do bilionário alemão Stefan Zuschke à dona do Magazine Luiza, Luiza Trajano, a quem ele chama de Luizinha.
Zuschke nos recebeu em sua cobertura no icônico Elbphilarmonie, o edifício de arquitetura mais marcante de Hamburgo, com salas de concertos, restaurantes e a maior escada rolante da Europa. Com vista para toda a cidade, o apartamento tem uma cozinha em local nobre.
— Esta é a minha cozinha — apresentou Fabio ao ex-governador Ranolfo Vieira Júnior, sua assessora Flávia Colossi e a mim.
Ele também cozinha para a família de Zuschke em Nova York, onde vive a esposa do simpático empresário.
Como fomos parar no 23º andar do Elbphilarmonie, numa manhã de sábado? Na noite anterior, Flavia perguntou a Fabio onde poderia comprar uma camisa do Bayern para seu neto. Em vez de indicar uma loja, o generoso chef disse que tinha ia ligar para um amigo. Fez a ligação, falou dois minutos em alemão e disse que que no dia seguinte a Flávia poderia acompanhar o passeio que tínhamos combinado. Iríamos à casa desse amigo buscar a camiseta. Assim foi.
O resto do dia passei circulando pela cidade tendo como guia turístico de luxo o marido de Fabio, o simpático Klaus, que fala português e apresentou lugares incríveis de Hamburgo a mim, à secretária Tânia Moreira, ao presidente da Famurs, Luciano Orsi, e ao ex-prefeito de São Miguel das Missões Mario Nascimento. Depois de caminhar mais de 20 quilômetros, terminamos a excursão em um restaurante de mais de cem anos que tem as paredes repletas de fotos de clientes famosos (com o proprietário), como Woody Allen e Bonnie Tayler.
Voltarei para casa com uma camisa do time alemão, pacotes de sementes de flores, temperos e um bolo de chocolate, presentes de um brasileiro cuja história achei que merecia dividir com os leitores.