Qualquer tentativa de desvio no setor público é inaceitável, mas quando se trata de fraude contra o Sistema Único de Saúde (SUS) a palavra mais adequada para definir o ato é "abjeta". O que a Polícia Federal apura na Operação Hipócrates não é um simples caso de saídas eventuais de médicos contratados pelo Grupo Hospitalar Conceição (GHC) para atender um filho na escola, um paciente que teve uma emergência ou alguma questão que só pode ser resolvida no horário do expediente. É, pelo que indica a investigação, a prática reiterada de um pequeno grupo de profissionais de fraudar o ponto biométrico. De marcar presença e em seguida sair para fazer ginástica, ir ao supermercado ou atender em um consultório privado.
É revoltante por se tratar de profissionais bem-remunerados, que têm contrato de trabalho com o GHC e por ele estão obrigados a cumprir a jornada de trabalho. Como podem deixar os pacientes a ver navios e sair para ganhar mais dinheiro em outra atividade ou simplesmente cuidar da boa forma? Não, não tem explicação.
Também não tem explicação o fato de a fraude estar ocorrendo há pelo menos seis meses e os colegas não se darem conta de que um profissional simplesmente não aparece para trabalhar.
A direção do GHC diz que só soube agora, com a batida policial, e que abriu uma sindicância para apurar os fatos. Essa investigação interna deve mostrar se houve conivência de colegas ou se os profissionais em questão faziam mágica para as chefias não perceberem a ausência.
O episódio no Conceição lembra um caso de 2013, em Ferraz de Vasconcellos (SP), em que médicos do Samu usavam dedos de silicone para fraudar o ponto. No caso gaúcho, é cara de pau mesmo.
ALIÁS
Nenhum médico é obrigado a atender pelo SUS, mas se disputou vaga em um hospital público, foi aprovado e tem contrato de trabalho, precisa comparecer. Os investigados têm salários entre R$ 14 mil e R$ 30 mil. Se querem ganhar mais numa clínica privada, que peçam demissão e abram vaga para quem quer trabalhar.