O homem entra no prédio do hospital, em Porto Alegre, sai minutos depois, dirige até sua casa, em uma cidade do Vale do Sinos, onde fica por cerca de duas horas. Sai de casa, faz exercícios em uma academia e, depois, vai almoçar. Tudo isso no horário em que deveria estar atendendo no Hospital Nossa Senhora da Conceição, na Capital.
Esta é só uma das situações que a Polícia Federal (PF) flagrou em seis meses de investigação sobre um grupo de médicos que fraudaria o ponto no Conceição. São empregados concursados que recebem salários entre R$ 14 mil e R$ 31 mil.
Os flagrantes mostram ainda os médicos indo trabalhar em outros locais — como clínicas, hospitais e consultórios privados — ou fazendo compras, por exemplo. Depois de gastar tempo em outras atividades, eles voltavam para fazer o fechamento do ponto no Conceição. Entre os investigados, há médicos de especialidades como oncologia, cirurgia cardiovascular, oftalmologista e gastroenterologista.
Os nomes dos investigados não foram revelados pela PF.
Ao deflagrar a Operação Hipócrates, na manhã desta terça-feira (28), a PF focou na busca de elementos que serão confrontados com as informações já obtidas na investigação, como registros de ponto e agendas de atendimento no Conceição e em outros locais em que os investigados atuavam.
A investigação foi coordenada pelo delegado Eduardo Dalmolin Bollis, que explicou:
— Agora, vamos verificar se essa prática era de conhecimento de outras pessoas (dentro do hospital) e que reflexos isso trazia nos atendimentos.
Bollis detalhou o trabalho das equipes de vigilância, que precisam fazer acompanhamento de horas do investigado para verificar se o comportamento era uma prática rotineira ou apenas alguma situação pontual.
O delegado Regional de Polícia Judiciária, Thiago Delabary, ressaltou que a apuração não é sobre o não cumprimento de jornada, como faltas ao trabalho, por exemplo:
— A investigação é sobre jornadas de trabalho fictícias, sobre fraude, salário recebido sem a prestação de um serviço essencial.
São apurados os possíveis crimes de peculato, falsidade ideológica ou estelionato contra o hospital.
GZH questionou o Grupo Hospitalar Conceição, que administra o Hospital Conceição, na zona norte da Capital, se os médicos investigados podem ser afastados do trabalho ou seguem atuando normalmente durante a apuração interna, e também se é possível que os suspeitos deixassem de cumprir o expediente sem que outras pessoas do hospital notassem essas ausências. A assessoria de comunicação ficou de verificar as informações.
Em nota emitida pela manhã, o grupo informou que está colaborando com as investigações e que abriu sindicância interna para apurar administrativamente as denúncias e tomar as medidas cabíveis.
Leia a nota do Hospital Conceição na íntegra:
"Na manhã desta terça-feira, 28/11, o Grupo Hospitalar Conceição tomou conhecimento da operação Hipócrates quando policiais chegaram ao Centro Administrativo para realizar busca e apreensão de dados relacionados à atividade funcional de médicos investigados por fraude no ponto eletrônico. O GHC abriu, nesta manhã, sindicância interna investigativa para apurar administrativamente as denúncias e tomar as medidas cabíveis.
A instituição está colaborando com as investigações da Polícia Federal e fornecendo todas as informações necessárias para o andamento das apurações. O Grupo reafirma que não compactua e não compactuará com fraudes e irregularidades que prejudiquem o bom andamento do hospital e da assistência aos usuários do SUS.
Aqueles profissionais que tiverem comprovadas as irregularidades no exercício de suas atividades serão demitidos de seus cargos no GHC.
Assessoria de Comunicação do Grupo Hospitalar Conceição Porto Alegre, 28 de novembro de 2023".
Mais tarde, o grupo enviou uma nova nota:
"Com relação às considerações da reportagem, informamos o que segue:
Vários mecanismos já foram adotados para garantir mais controle sobre o cumprimento da jornada de trabalho dos funcionários do GHC, incluindo os médicos: a implantação do ponto biométrico; catracas nos acessos às dependências do Hospital e instalação de câmeras de segurança.
No entanto, a característica da atividade médica envolve a circulação entre: visitas aos pacientes internados; a realização de consultas no Ambulatório; realização de procedimentos no bloco cirúrgico, entre outros. Essa circulação no interior do hospital, infelizmente, permite que maus profissionais aproveitem da natureza de sua atividade para práticas irregulares como a que a investigação policial revelou. Nosso esforço permanente é para identificar situações de descumprimento das atribuições funcionais e efetuar as providências para que não se repitam.
No caso revelado pela Operação Hipócrates, os médicos funcionários permanecerão trabalhando até que sejam concluídas as investigações e, então, sejam adotadas as devidas providências administrativas e funcionais.
Grupo Hospitalar Conceição
Assessoria de Imprensa GHC
Poa, 28/11/23"