O jornalista Fábio Schaffner colabora com Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Tem 2.871 páginas o conjunto de indícios reunidos pelo Ministério Público (MP) na investigação do prefeito de Cachoeira do Sul, José Otávio Germano (PP). A coluna teve acesso aos nove volumes do processo que tramita sob sigilo.
Do calhamaço emerge um panorama em que o prefeito é apontado como chefe de esquema criminoso que fraudou licitações, desviou combustíveis e exigiu dinheiro de empresários e servidores para sustentar uma rotina de excessos que o impedia de administrar o município. Internado há 11 dias em uma clínica para reabilitação de dependentes químicos, José Otávio foi afastado do cargo pelo Tribunal de Justiça e ainda não constituiu advogado de defesa.
A apuração teve início após o MP suspeitar do asfalto ralo usado na pavimentação de ruas do Centro. Ao cavoucar mais fundo, a cada pazada vinha um minhocário inteiro.
Com monitoramento de telefonemas, trocas de mensagens e vigilância de alguns dos 15 suspeitos, os promotores identificaram o que acreditam ser o modus operandi do grupo: licitações fraudulentas, favorecimentos pessoais e rachadinha eram usadas para abastecer um caixa pessoal de José Otávio. Os contratos em investigação somam ao menos R$ 11,4 milhões, mas há indícios de corrupção até mesmo em compras menores da prefeitura.
A mando do prefeito, por exemplo, auxiliares teriam desviado diesel comprado para máquinas da prefeitura, obtendo até R$ 25 mil por mês revendendo combustível a receptadores. Numa conversa interceptada, José Otávio manda suspender uma multa ambiental aplicada a um agiota que lhe eximiu de pagar juros num empréstimo de R$ 5 mil.
Por todo o processo, pipocam escutas mostrando José Otávio pedindo dinheiro e organizando festas privê. Em três dias, de 15 a 18 de julho deste ano, o MP flagrou o prefeito cobrando quatro pessoas diferentes. Numa das ligações, às 6h48min, ele convida um assessor para ir à casa dele, onde estaria "com duas mulheres". Diante da recusa, pede: "Se tu puder fazer o PIX de quinhentos pila já resolve".
"Vou assaltar banco, o quê que eu vou fazer?", desabafa em 22 de agosto a chefe de gabinete, Maria Teresa Boaz, diante da volúpia financeira do prefeito. Também afastada do cargo pelo TJ, na mesma conversa, Maria Teresa reclama que José Otávio estava há uma semana sem aparecer na prefeitura.
"Indubitável que os valores exigidos são utilizados para pagamento de prostitutas, realização de festas e pagamento de remédios, em conduta desenfreada para a satisfação de seus prazeres pessoais, em especial sexuais, com o uso de verbas públicas", resumem os membros do MP Fábio Pereira e Mariana Pires.
Ao menos cinco servidores municipais subsidiaram as investigações com documentos, comprovantes bancários e relatos dos hábitos noturnos do prefeito, incluindo o uso de carro oficial no translado de prostitutas em 10 ocasiões em 2022. O processo guarda ainda o laudo pericial comprovando se tratar de 2,9 gramas de cocaína a substância apreendida na casa de José Otávio.
"Pelos elementos apurados nas investigações levadas a efeito pela Procuradoria da Função Penal Originária, há fortes indícios de que José Otávio Germano seja o chefe de um grupo criminoso que se uniu objetivando a prática delituosa, a fim de lesar o erário municipal, mediante crimes licitatórios, de desvio de verbas públicas, crimes contra a Administração Pública e outros delitos praticados", salienta a desembargadora Gisele Vieira de Azambuja no despacho em que afastou dos cargos José Otávio, cinco secretários e três assessores diretos.