A sanção pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva do projeto que libera R$ 7,3 bilhões para o pagamento do piso da enfermagem não empolgou municípios, instituições filantrópicas e hospitais privados. Enquanto prefeitos dizem que os recursos são insuficientes para cumprir a regra ainda em 2023, sem nenhuma garantia para os próximos anos, as entidades privadas reclamam que o valor contempla apenas os gastos do setor público. O pagamento do piso permanece suspenso desde setembro de 2022 por decisão liminar do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Levantamento divulgado pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) aponta que os recursos liberados pelo governo federal não cobrem nem um terço das novas despesas com o piso de enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e parteiras. A nova regra causará impacto de 10,4 bilhões sobre as prefeituras em todo o país, pelos cálculos da CNM. Mas apenas R$ 3,3 bilhões chegarão aos cofres municipais, conforme a lei aprovada — o resto fica com Estados.
Além da insuficiência de recursos, prefeitos desconfiam da origem do dinheiro. Pelo projeto de lei aprovado pelo Congresso, a verba para custear o piso sairá do superávit financeiro de fundos públicos. A dúvida é se haverá superávit nos próximos anos.
— É uma fonte de origem duvidosa, porque viria dos fundos legais e constitucionais. Estão alavancando de lá para dizer que estão achando fonte de financiamento, e essa fonte é de agora até dezembro. Não tem nada para o ano que vem — critica o presidente da CNM, Paulo Ziulkoski.
No Rio Grande do Sul, a aplicação do piso terá um impacto estimado em R$ 723,88 milhões para os 497 municípios, considerando gastos diretos e indiretos. O presidente da Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul (Famurs), Paulinho Salerno, diz que a lei sancionada por Lula é um "paliativo" e não resolve o impasse em torno do pagamento do piso. Ele alerta para o risco de comprometimento e redução de serviços ofertados pelas prefeituras.
— A sanção não muda nada. É um paliativo que vai atender por um período muito curto. A solução definitiva é termos um incremento da receita dos municípios a partir da proposta que apresentamos ao Congresso — avalia Paulinho, citando proposta de emenda à Constituição que aumenta a transferência de recursos da União para os municípios, sem previsão de votação.
O presidente da Federação das Santas Casas do Rio Grande do Sul, Luciney Bohrer, ressalta que, além da sanção, ainda é necessário aguardar para conhecer os critérios que o governo adotará para distribuir os recursos. Luciney também demonstra preocupação com a origem dos recursos para custear o piso.
— Será que teremos superávit (dos fundos públicos)? Se não tiver superávit, quem pagará esse valor? Somos a favor de que os hospitais tenham recursos para pagar o piso da enfermagem, mas precisamos da segurança para fazer o pagamento. Entendo que o STF precisará ter essa cautela.
O piso também causa desconforto aos hospitais privados. Em nota conjunta divulgada no final de abril, após a aprovação da lei pelo Congresso, hospitais e laboratórios privados alertaram para as "graves consequências" da implantação do piso.
"Medidas como a desoneração das folhas de pagamento, entre outras que visavam minimizar o impacto do aumento de custos no setor privado, até hoje não foram concretizadas. Em consequência, o setor está ameaçado de viver uma profunda crise financeira que se abaterá com mais força sobre os estabelecimentos de menor porte e as regiões mais carentes", dizem as instituições.
O Sindicato dos Hospitais e Clinicas de Porto Alegre (Sindihospa), que representa instituições públicas e privadas da Capital, também avalia que "os valores anunciados pelo governo federal são insuficientes para o pagamento do piso da enfermagem".
"Os créditos liberados hoje atendem apenas parte da necessidade do sistema público — por exemplo, para os municípios, somente para 2023, a estimativa é de que seriam necessários R$ 10,5 bilhões, segundo a Confederação Nacional de Municípios. Além disso, não explicita como será feito o repasse aos hospitais que atendem pelo SUS. Também não está claro que tipo de aporte será dado ao setor privado, por exemplo, para o cumprimento do piso", afirma o sindicato, em nota.