O jornalista Paulo Egídio colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço
Às voltas para tentar compensar os reflexos da queda na arrecadação de ICMS no orçamento de 2023, o governo do Estado pediu ajuda aos outros poderes para uma espécie de manobra contábil, no intuito de evitar o impacto de travas impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). O Palácio Piratini solicitou que Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça e Ministério Público restituam ao caixa único valores correspondentes aos rendimentos de seus duodécimos — as parcelas mensais repassadas pelo Executivo para a manutenção dos demais entes.
Em tese, os poderes estariam abrindo mão de uma quantia que poderiam requisitar. No entanto, os valores registrados no Sistema Integrado de Administração de Caixa (Siac) são eminentemente contábeis — ou seja: não há um "dinheiro parado" esperando a utilização.
Articulada com discrição pelo governador Eduardo Leite, a medida tem sido discutida com os outros poderes desde o mês de março. Com a relação cada vez mais harmônica entre o Executivo e os demais órgãos autônomos, todos já deram sinal verde para os repasses. Na Assembleia, um projeto de resolução aprovado em plenário nesta terça-feira (2) autoriza o repasse, com efeitos retroativos ao dia 27 de abril.
Com a medida, o Palácio Piratini pretende ampliar o valor contabilizado como receita no primeiro quadrimestre do ano, para reduzir a proporção das despesas com pessoal sobre o total da arrecadação.
A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) determina que o governo pode consumir até 49% da receita corrente líquida com o funcionalismo. No último quadrimestre de 2022, conforme o relatório de gestão fiscal, esse índice chegou a 47,88% no Rio Grande do Sul — ou seja, 97% do limite legal.
Quando o percentual passa de 95% do limite, o governo fica proibido de conceder vantagens ou reajustes a servidores, criar novos cargos, contratar servidores para áreas não-essenciais, conceder horas extras e outros itens.
Na hipótese de que se ultrapassem os 100%, o Executivo teria de adotar medidas ainda mais duras, como a redução imediata de ao menos 20% dos cargos comissionados e exoneração de servidores não estáveis. Nos casos mais extremos, até mesmo a demissão de servidores estáveis pode ocorrer. O Estado ainda estaria sujeito à proibição de receber transferências voluntárias e contratar financiamentos.
À coluna, tanto o deputado Vilmar Zanchin (MDB), presidente da Assembleia Legislativa, quanto o desembargador Antonio Vinícius Amaro da Silveira, vice-presidente do Tribunal de Justiça, confirmaram que o pedido partiu do governo com o argumento e que o Estado não poderia ficar a mercê de lidar com essas punições.
— Se o Estado descumprir essa normativa, as consequências não serão apenas para o Executivo, mas para todos os poderes. O Estado teria uma série de sanções, implicações e limitações, com custo para a sociedade. O apelo do governador foi compreendido pelos demais poderes — disse Zanchin.
Da Assembleia, o valor repassado ao caixa do Estado será de R$ 247,5 milhões. Do Judiciário, outros R$ 281 milhões. O Ministério Público Público não informou o valor exato a ser restituído. No total, o montante supera os R$ 600 milhões.
O que diz o governo
Consultado na semana passada sobre o movimento, o chefe da Casa Civil, Artur Lemos, afirmou que o acordo com outros poderes trata-se de um "ajuste contábil" colocado em prática para cumprir a emenda constitucional 109, que vigora desde 2021. A norma determina que o saldo decorrente do duodécimo deve ser restituído ao Tesouro ao fim de cada exercício, sob pena de ser descontado dos repasses do ano seguinte.
— Tudo indica que não será esse valor que fará com que o Estado saia do limite prudencial (da LRF) — disse Lemos.
No entanto, nesta terça-feira (2), a assessoria de imprensa da Secretaria da Fazenda informou que a proposta serviria para "recompor receita em função das perdas de ICMS" da Lei Complementar Federal 194, que limitou a cobrança sobre combustíveis.
A coluna solicitou entrevista com um representante da Sefaz para obter mais detalhes sobre o projeto, mas, até o momento, não obteve resposta positiva.