Confesso-me uma noveleira que só não fica mais tempo diante da televisão por falta de tempo. Quando soube que a próxima novela das nove seria de Walcyr Carrasco, decidi que veria pelo menos os primeiros capítulos. Porque se há coisa que me irrita é a pessoa dizer que não viu e não gostou. Ou que adora uma novelinha, mas tem vergonha de dizer porque acha que moderno é assistir séries ou difamar as produções locais.
Jovens em geral não têm paciência para novelas. Acham que são muito longas, que eles não podem perder tempo na frente da TV todas as noites e que o bom é apertar o play quando se quer assistir alguma coisa e dar stop assim que tiver uma ideia melhor de lazer. A vida é on demand. Tem muito saudosista que faz a ode ao passado. Jura que não se fazem mais novelas como antigamente e cita Irmãos Coragem, Selva de Pedra, Roque Santeiro, O Astro e por aí vai. Eu citaria O Bem-Amado, porque é minha novela inesquecível, pelo texto de Dias Gomes.
Claro que as novelas não são mais como as de antigamente. O público também não. Há outros concorrentes de peso brigando pela nossa atenção. Milhares preferem ficar xingando na internet a assistir uma obra de ficção que emprega um batalhão de profissionais além daqueles que aparecem nas cenas editadas.
A tecnologia permite que Caio (Cauã Reymond,em seu melhor papel na minha insuspeita opinião), interaja com outros personagens no meio de uma lavoura de soja, sem precisar sair do Rio de Janeiro para gravar uma cena de Terra e Paixão. A isso se chama chroma key. Mas há três coisas das quais nenhuma obra de ficção produzida para TV pode prescindir: um autor criativo, um diretor competente e atores e atrizes que se entregam ao papel.
Desde que começou Terra e Paixão, sigo no sofá quando termina o Jornal Nacional. Não é hora para romancistas russos nem para a literatura japonesa, que em outros momentos me fazem tão bem. Depois de um dia intenso de trabalho, com a realidade querendo imitar a ficção, uma novela é o que mais quero para me distrair. Melhor ver as tretas da família La Selva, com Tony Ramos e Gloria Pires interpretando o casal de malvados que a gente adora odiar, do que ficar na internet acompanhando a torrente de ódio que desce pelo esgoto das redes sociais, dirigida a personagens da vida real.
Tony e Gloria são desses atores que se entregam. A dissimulada Irene já mostrou que está disposta a fazer a Maria de Fátima de Gloria Pires (lembram dela?) parecer boazinha. E tem Cauã, que enche a tela com seu mocinho rústico, desprezado pelo pai e vítima das trampas da madrasta.
Tem mais: uma protagonista negra e valente Aline (Barbara Reis) e Débora Falabella como a mulher sofrida que apanha do marido e não o denúncia porque , para ela, a família está acima de tudo. Aqui entra o texto forte de Carrrasco para denunciar a violência doméstica. Para descontrair das cenas mais duras, temos o italiano Luigi, que seduz mulheres ricas para explorá-las. Petra, a filha do poderoso Antonio La Selva, viciada em remédios, é só uma delas. Leona Cavalli está impagável como a moralista que cai na lábia do italiano e com ele e trai o marido (o sonso que manda pix para ver Tatá Werneck protagonizando cenas sensuais diante da câmera em um canal do tipo Onlyfans do mundo rural).
A TV aberta ainda é a maior fonte de diversão neste Brasil gigante. Porque não precisa pagar para assistir, chega aos lugares mais remotos e mostra cenas de um Brasil pouco conhecido em outras regiões. Agora é Mato Grosso, com suas plantações de soja. Antes foi o vizinho Mato Grosso do Sul, em Pantanal. Sair do eixo Rio-São Paulo é muito rico, mas não se pode cair na caricatura. O sotaque forçado nos erres, por exemplo, é desnecessário.
Estranho um pouco que em uma cena alguém esteja colhendo soja e, em outra, no mesmo dia, um personagem acione os pivôs de irrigação da lavoura (de soja) e Aline ainda esteja procurando sementes de milho para plantar. Não reclamo, porque nunca estive em Mato Grosso e penso com a cabeça de sulista, onde o ciclo das culturas siga o das estações. E digo baixinho para mim mesma: e se não for assim, que importa? Novela é ficção, sua boba.