Não foi por falta de aviso. Desde que o presidente Jair Bolsonaro (PL) instituiu o Auxílio Brasil de R$ 600, os especialistas em contas públicas alertaram que esse valor não cabia no orçamento de 2023, a menos que se furasse o teto ou se fizesse um remanejamento radical de recursos. Os especialistas em política fiscal advertiram que, depois de dar esse valor para as famílias vulneráveis, não haveria condições de retirar, fosse quem fosse o vencedor.
Na campanha, tanto Bolsonaro quanto o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) espalharam promessas como se não houvesse amanhã. Importante era vencer a eleição. Interlocutores de Bolsonaro diziam que no orçamento de 2022 também não cabia o auxílio de R$ 600 e o governo "deu um jeito".
O jeitinho foi inventar um "estado de emergência" para justificar os gastos extraordinários e romper o teto sem que isso pudesse ser classificado como pedalada fiscal, pretexto usado em 2016 para derrubar Dilma Rousseff (PT).
Detalhe: neste ano, o valor de R$ 600 seria pago apenas de setembro a dezembro. É mais fácil fazer uma gambiarra por quatro meses do que por 12. Para 2023, é um ano inteiro de auxílio de R$ 600 para milhões de brasileiros já inscritos e outros tantos que poderão entrar, dado o grau de deterioração social do país.
Antes de iniciar a transição, Lula, agora presidente eleito, reafirmou que as promessas feitas às camadas mais vulneráveis da população serão cumpridas. Para isso, será preciso encontrar um caminho legal para ampliar o rombo nas contas públicas. A fome é uma emergência permanente no Brasil, mas o presidente não pode remanejar verbas por decreto.
A ideia discutida na reunião do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) com o relator-geral do orçamento de 2023, senador Marcelo Castro, é que o Congresso aprove uma proposta de emenda à Constituição, a PEC emergencial da transição, para poder reformular a peça orçamentária para o novo governo e permitir o pagamento do auxílio que, repita-se, foi promessa dos dois candidatos.
Tem chances de ser aprovada? Tem. Mesmo que hoje Bolsonaro tenha maioria no Congresso, o centrão, que dá as cartas, sinaliza que não tentará inviabilizar o novo governo. Deputados e senadores não haverão de querer arcar com o ônus de impedir o pagamento do auxílio de R$ 600 e de outros benefícios cujo corte é impopular.
O que está sendo alinhavado é uma pedalada consentida, até porque a correção da tabela do Imposto de Renda, outra promessa dos dois, poderá ser votada ainda neste ano.
ALIÁS
Entre as promessas de Lula para a área social que não cabem no orçamento previsto para 2023 estão também o aumento do valor da merenda escolar, hoje de R$ 0,36 dia por aluno, a ajuda de R$ 150 para crianças até seis anos e o reajuste real do salário mínimo.