
Com todos os erros que cometeu ao longo do mandato, o presidente Jair Bolsonaro (PL) conseguiu empurrar para o ex-presidente Lula (PT) aquele contingente do eleitorado que gostaria de uma terceira via, mas muito cedo ficou sem alternativa. O que mais se viu, no primeiro e no segundo turnos, foram pessoas que não se enquadram na definição de petistas justificando o voto em Lula com o argumento de que era preciso vencer o obscurantismo, o fanatismo religioso, a misoginia, o desrespeito aos que pensam diferente, o golpismo e o desprezo aos valores civilizatórios.
Em vez de aproveitar o mandato para unificar o país dividido que herdou em 2018, Bolsonaro tratou de aprofundar a cisão. Cercou-se de radicais com vocação para polícia de costumes, como Damares Alves, Abraham Weintraub, Ricardo Salles e Ernesto Araújo, sempre insistindo que nomeara um "ministério técnico". Quando percebeu que corria o risco de um processo de impeachment, entregou ministérios para o centrão e passou a seguir a orientação de figuras como o senador Ciro Nogueira (PP-PI) e a comer pela mão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
O desprezo pelas mulheres que não compactuam com sua visão de mundo, o desrespeito às vítimas do coronavírus, o deboche praticado dia sim dia não durante a pandemia foram minando o governo. Mas Bolsonaro se reergueu e, até pela rejeição a Lula, manteve um núcleo forte que o levou ao segundo turno com 43,2% dos votos válidos. Desde a primeira pesquisa do segundo turno, Lula apareceu à frente, mas o bolsonarismo preferiu dobrar a aposta e tentar vencer a eleição pela tática do medo e do assédio eleitoral, como atestam as centenas de denúncias formalizadas no Ministério Público do Trabalho.
Aconselhado pelos filhos e por militares incapazes de compreender a diversidade brasileira, acreditou que as motociatas e manifestações coloridas de verde e amarelo eram o todo e não a parte já convertida ao bolsonarismo.
O ataque ao sistema eleitoral, as brigas com o Supremo Tribunal Federal (STF), as ameaças à democracia e as insinuações de que só aceitaria o resultado das urnas se lhe fosse favorável acabaram por selar a derrota. Mesmo tendo garantido após o debate na Globo que aceitaria o resultado da eleição e divulgado nota prometendo não aumentar o número de ministros do Supremo, não convenceu.
Na semana derradeira de campanha, depois de fracassada a estratégia de atacar as pesquisas, tentou-se uma cartada perigosa, a de pedir o adiamento da eleição com uma denúncia insustentável de corte de inserções da propaganda em rádios do Nordeste. O escândalo Tabajara ganhou até nome: radiolão.
Um dos denunciantes, o ministro Fábio Faria, teve juízo para cair fora antes de torrar sua biografia em uma acusação falsa e reconheceu que, se houve erro, não foi do TSE, mas do PL que não fiscalizou a veiculação da propaganda, como era sua atribuição.