Comemorada nas hostes governistas como um desfecho, a libertação do ex-ministro Milton Ribeiro pelo desembargador federal Ney Bello foi apenas um capítulo na série que poderia se chamar "Acesso Pago", tomando emprestado nome da operação desencadeada na quarta-feira (22) pela Polícia Federal. Tudo porque uma escuta telefônica autorizada acabou puxando o presidente Jair Bolsonaro para o olho do furacão. Não sabendo que estava grampeado, Ribeiro soltou a língua ao telefone, contando ter recebido uma ligação de Bolsonaro para falar do “pressentimento” de que seria alvo de mandado de busca e apreensão.
Como o telefonema para a filha ocorreu duas semanas antes da operação e, até onde se sabe, Bolsonaro não tem bola de cristal, a conclusão óbvia é de que alguém da Polícia Federal vazou a informação de que o ministro seria alvo de mandados de busca e apreensão. A suspeita de que o presidente interferiu na investigação e repassou uma informação privilegiada empurrou o caso do ex-ministro para o Supremo Tribunal Federal.
Ribeiro perdeu o foro privilegiado, mas a possível conexão com Bolsonaro — que tem a prerrogativa — puxa toda a investigação para o Supremo. A Procuradoria-Geral da República será chamada a se manifestar e, mesmo que o procurador Augusto Aras seja benevolente com o presidente, os fatos precisam ser apurados. São graves as denúncias de tráfico de influência no Ministério da Educação e igualmente graves os indícios de que o presidente da República avisou seu ex-ministro duas semanas antes da operação Acesso Pago que poderia haver busca e apreensão em seus endereços.
No telefonema para a filha, o ex-ministro fala em “versículos” enviados a Bolsonaro. Não há nada de errado em encaminhar mensagens bíblicas por WhatsApp. A dúvida é se versículos são versículos mesmo ou se Ribeiro estava usando linguagem cifrada.
Duas semanas é tempo suficiente para apagar provas, intimidar testemunhas, preparar álibis. Não significa que Ribeiro tenha feito isso, mas o sigilo das operações policiais tem por objetivo, justamente, evitar que o investigado prejudique de alguma forma a operação.