A falta de adversários na terceira via produz nesta fase da campanha presidencial o fenômeno típico das disputas de segundo turno: cada ponto perdido pelo candidato que está na frente vai para o seu adversário, mesmo que aumentem os brancos e nulos. Porque valem os votos válidos e se a distância diminui, maiores são as chances de virada. Calejado nas disputas políticas, o ex-presidente Lula dá sinais de que desaprendeu o que sabia no longo período de isolamento na prisão e, depois, na pandemia, convivendo apenas com quem só sabe aplaudir e dizer amém. O resultado é um desastre verbal atrás do outro, com reflexo nas pesquisas.
Qual a última de Lula? A entrevista à revista Time. A capa com a manchete Segundo ato de Lula poderia ser um troféu para as redes sociais. Lula está bem na foto, com a gravata nas cores da bandeira (nada é coincidência), o título é neutro. À primeira vista, os adversários poderão até desconfiar de que se trata de uma montagem daquelas que pessoas comuns fazem da Caras. Mas é tudo verdade. E esse é um problema.
Lula enroscou-se em um tema além-fronteira, a guerra da Ucrânia, deixando no ar a dúvida se foi excesso de sinceridade ou tentativa de não se distanciar do presidente Jair Bolsonaro no quesito aproximação com a Rússia. O que Lula disse do presidente ucraniano Volodimir Zelensky soa como culpar a mulher estuprada usando o argumento de que usava roupas provocantes.
Resumo do pensamento de Lula na entrevista à Time: Zelensky, o presidente do país que está sendo destruído pela Rússia, tem tanta culpa quanto Valdimir Putin. Do alto de sua condição de analista de sentimentos, Lula identificou em Zelensky sinais de alegria e prazer com os aplausos recebidos nos parlamentos da Europa. Mais: intuiu que esse deslumbramento faz com que Zelensky não queira o fim da guerra, para não perder seu palco.
Relembrando: a Ucrânia está sendo destruída e demorará anos para se levantar, civis inocentes morrem como moscas sob os mísseis de Putin (foram 600 no teatro bombardeado em Mariupol), quem consegue foge do país em um êxodo que na Europa só tem precedentes na Segunda Guerra. Quem acompanha os comentários de líderes petistas sabe que Lula não está sozinho nesse pensamento: há muita gente do Oiapoque ao Chuí que ainda confunde a Rússia com a União Soviética (fechando os olhos para os problemas dessa última) e tolera os excessos de Putin naquela ideia da Guerra Fria de que quem não está com ele está com os Estados Unidos, o Tio Sam.
O caso da Time não é único e faltam linhas para detalhar todos os episódios em que Lula, como os peixes, “morreu pela boca”. Um dos mais recentes foi comprar briga com a polícia, dizendo que Bolsonaro não gosta de gente, gosta de policiais. Em seguida teve de se desculpar com os policiais, mas criou uma crise desnecessária e obrigou os bombeiros a entrarem em campo.
Uma das mais desastrosas foi recomendar a seus apoiadores que descubram o endereço dos parlamentares para, quando for preciso pressionar pela aprovação de algum projeto, ir até suas casas “para incomodar mesmo”. Quer dizer: não basta pressionar nos gabinetes, é preciso tirar também o sossego da família. Diante da reação negativa, aplicou um remendo que só convenceu a turma que o segue de olhos vendados.
Antes, Lula fez promessas que não tem como cumprir, como dizer que vai revogar as mudanças na legislação trabalhista. Ora, só quem revoga leis é o Congresso. O máximo que ele poderá fazer, se for eleito, é propor alterações. Lula repete-se a si mesmo na versão anos 1990. À época, dizia que se chagasse ao poder iria revogar as privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso e que adotaria o controle social da mídia, aquela censura disfarçada que era a obsessão de Franklin Martins, hoje excluído do comando da comunicação. Lula foi eleito e reeleito, fez a sucessora e não cumpriu essas ameaças. Não cumpriu porque entendeu que não passaria no Congresso.
ALIÁS
Lula vem errando quando fala e quando decide sobre o que não vai falar. Dizer que não precisa falar de política econômica é um erro. Como líder nas pesquisas ele tem, sim, de falar de política econômica, até porque o cenário caótico de hoje, com inflação alta e crescimento baixo, exige que saiba o que os candidatos pretendem fazer.