A reação do ex-governador Eduardo Leite à saída de João Doria da disputa eleitoral foi de calculada cautela. Em vez de entrevista, respondeu com poucas palavras aos questionamentos sobre a possibilidade de assumir a vaga de candidato a presidente, como seria natural, dado que ficou em segundo lugar na prévia do PSDB e renunciou ao governo do Rio Grande do Sul para poder concorrer a presidente.
Questionado pela coluna, respondeu medindo as palavras:
— Meus olhares e minha atenção estão no meu Estado. A condução do processo nacional está a cargo de nossos dirigentes partidários que, confio, saberão construir unidade no partido e com outras agremiações. Terão a minha parceria para isso.
A frase deixa em aberto tanto a candidatura a governador, desejada por líderes do PSDB no Estado, quanto a retomada do projeto nacional, se esse for o desejo da direção do partido e dos aliados com quem tenta construir a chamada terceira via. As dúvidas, que Leite não expressa, mas seus companheiros têm, podem ser resumidas em cinco perguntas. O PSDB quer realmente uma candidatura própria? Está disposto a gastar dinheiro do fundo eleitoral na campanha ou prefere aplicar nas candidaturas estaduais e de parlamentares? O MDB abriria mão da cabeça de chapa? O que quer o Cidadania? Doria desencarnou de vez ou entraria na Justiça se o adversário das prévias fosse ungido candidato?
O presidente do Cidadania, Roberto Freire, já deixou claro que prefere Simone na cabeça de chapa:
— Penso que outro nome qualquer que seja vinculado, especialmente se for do PSDB, será um desrespeito a Doria, já que sua renúncia se deu frente a indicação feita pelos presidentes do MDB, PSDB e do Cidadania, da Simone Tebet.
Leite fez uma publicação protocolar no Twitter, que nem de longe espelha a realidade do que ocorreu no PSDB. Escreveu ele pouco depois do discurso de Doria: “O PSDB teve candidato legítimo oriundo das prévias, que agora faz gesto pela unificação da terceira via sob liderança de outro partido. Gesto importante de João Doria, que merece respeito".
Não é verdade que Doria fez um gesto pela unificação da terceira via. Doria foi expurgado da disputa pelo PSDB, que não queria o ex-governador de São Paulo atrapalhando seus candidatos a governador e as alianças regionais. Os caciques, ajudados pelas pesquisas, entenderam que Doria não sairia do chão, já que mesmo com a vitória na prévia e com a propaganda na TV continuou estagnado. Logo, não há altruísmo no gesto, mas o reconhecimento de que foi rifado — daí o embargo na voz e o tom magoado que adotou na renúncia, mesmo tentando parecer que estava sendo magnânimo.
Piratini segue no horizonte
A frase “meus olhares e minha atenção estão no meu Estado” pode ser lida de duas formas. A mais óbvia, que Eduardo Leite está com os dois pés na candidatura a governador, mesmo que o custo seja voltar atrás na palavra empenhada de não concorrer à reeleição.
Outra interpretação possível é que está com a atenção no Estado, mas pode influenciar a própria sucessão concorrendo a presidente.
Animados com as pesquisas em que aparece bem à frente dos adversários, os tucanos avaliam nos bastidores que é possível construir o discurso do recuo em relação à reeleição com a defesa da continuidade do governo.
Falta combinar com o MDB, que espera apoio a Gabriel Souza, e com os demais adversários, que já sinalizaram com uma campanha sem trégua, usando o mote do “peso da palavra”.
ALIÁS
Com a desagregação promovida por João Doria, somada à incompetência dos seus dirigentes, o PSDB terá de trabalhar para que a ave símbolo continue sendo o tucano e não a ararinha azul, espécie ameaçada de extinção.
Presidente do PSDB em Minas Gerais aposta em Leite
Presidente do PSDB em Minas Gerais, o deputado Paulo Abi-Ackel defende a indicação de Leite como candidato à Presidência. Abi-Ackel é um dos 21 políticos tucanos que vieram ao Estado em fevereiro de 2021 para convencer Leite a percorrer o Brasil e se apresentar para disputar o Planalto.
— O Eduardo perdeu as prévias por pouquíssima quantidade de votos, é normal que seja o candidato — analisa.
Apesar disso, o deputado mineiro diz que "torce para que a terceira via seja forte" e cogita uma aliança com o MDB da senadora Simone Tebet (MS). A expectativa é de que o debate interno no ninho tucano se intensifique a partir de terça-feira (24).