Pouco mais de três anos depois de entregar a faixa presidencial a Jair Bolsonaro, o ex-presidente Michel Temer (MDB) é generoso ao analisar seus dois anos e meio de mandato: diz que fez um governo reformista e baseado no diálogo. Para ele, até mesmo o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), aliado do passado e que hoje o critica, "reconhece" o que foi feito em seu governo.
— Ele (Lula) muitas vezes é obrigado a falar mal do meu governo para falar para sua base — avaliou Temer, em entrevista à coluna por videoconferência, na última quarta-feira (16).
No diálogo, o ex-presidente também diz que o candidato eleito em outubro, seja quem for, deve trabalhar para pacificar o país, chamando inclusive os opositores para o diálogo.
Ainda que tenha sido preso — ou, em suas palavras, sequestrado — no âmbito de uma investigação da Operação Lava-Jato, que depois terminou arquivada, Temer diz que o legado da operação é positivo.
Mesmo provocado, não quis indicar quem é seu preferido para disputar o governo do Estado pelo MDB. A candidatura é pleiteada pelo deputado federal Alceu Moreira e pelo deputado estadual Gabriel Souza
— Seja quem for, o Rio Grande do Sul estará muito bem servido — garante.
Leia os principais trechos da entrevista:
Passados mais de três anos do final do mandato, qual sua análise sobre o legado de seu governo?
Naturalmente, uma análise extremamente positiva. Tivemos dois anos e meio de governo, um período curto. Sem embargo disso, levamos adiante reformas desejadas há muito tempo. Começo pelo teto de gastos públicos. Quando pensamos o teto, partimos de uma concepção trivial, de que ninguém pode gastar mais do que ganha. Se o Estado arrecada R$ 100 e gasta R$ 200, a cada exercício financeiro tem grande problema, porque aumenta a dívida pública e aumenta o pagamento de juros. E também a reforma trabalhista, que foi fruto de muito diálogo. No dia em que mandamos a reforma para a Câmara dos Deputados, falaram quatro ou cinco representantes dos empregados e quatro ou cinco dos empregadores. E não houve nenhuma greve depois da execução da reforma. Como também aconteceu com a reforma do Ensino Médio. Fu fui presidente da Câmara pela primeira vez em 1997 e já se falava no assunto. Passaram-se 20 anos e nada de reforma. Fizemos por medida provisória, para ter eficácia jurídica imediata. Ao final, foi aprovada pelo Congresso, e me recordo que o Mendonça (Filho, ex-ministro da Educação) levou a mim a informação de que cerca de 98% dos secretários de Estado aplaudiram a reforma do Ensino Médio.
E o senhor quase conseguiu aprovar a reforma da Previdência...
Quase. Houve uns impedimentos, propositais até, hoje destruídos, cujo objetivo foi não permitir a votação da reforma da Previdência (Temer se refere à ocasião em que foi gravado pelo empresário Joesley Batista, no Palácio do Planalto). Mas preparamos tudo, tanto que o novo governo chegou e logo no primeiro semestre aprovou a reforma, porque havíamos convencido a população e o Congresso Nacional. Então, a síntese que faço é de um governo reformista baseado no diálogo, um intenso diálogo do Executivo com o Legislativo e com a sociedade. No meio ambiente mesmo, fizemos a maior reserva marinha que o mundo conhece, nas Ilhas Trindade, em São Paulo.
Hoje mais do que nunca precisamos de um candidato eleito que pacifique o país. O brasileiro está cansado dessas divergências com violência verbal, e às vezes com violência física
Por que os candidatos de centro não conseguem crescer nas pesquisas e não encontram eco no eleitorado?
Acho que é muito cedo para uma afirmação definitiva, mas hoje há uma polarização evidente entre duas candidaturas, e os candidatos de centro estão aí se apresentando. No primeiro momento, pensava-se em uma única candidatura, mas o que está ocorrendo é que os pré-candidatos se transformam em candidatos, e isso atomiza o voto na chamada coluna do meio, ou terceira via. Agora, o que quero pregar é que o novo presidente deve trabalhar pela pacificação do país. Sepultar o passado e construir o futuro. Chamar os partidos, inclusive de oposição, governadores de Estado, chefes de poderes, membros da sociedade civil, para fazer um grande pacto nacional para reconstrução do país. Se não houver isso, digamos que ganhe o ex-presidente Lula, os bolsonaristas e a coluna do meio vão ficar contra. Reelege-se o presidente Bolsonaro, os petistas e coluna do meio estarão contra. A solução é a pacificação. Preguei isso como presidente da Câmara, vice-presidente e mesmo presidente da República. Hoje mais do que nunca precisamos de um candidato eleito que pacifique o país. O brasileiro está cansado dessas divergências com violência verbal, e às vezes com violência física.
O ex-presidente Lula, que lidera com folga as pesquisas, tem feito movimentos ao centro, como o convite para que o ex-governador Geraldo Alckmin seja seu vice, e procurado muitos políticos de centro e centro-direita para conversar. Como o senhor avalia esse movimento?
É um movimento positivo. Aqui no Brasil parece que ficou pecaminoso as pessoas conversarem. E não é. É preciso dialogar para encontrar um caminho adequado para a governabilidade. Ele faz muito bem de conversar. Política é dialogo, é parlamentar. Agora, é preciso passar para a execução. Se for eleito, dizer: “Olha aqui meus caros, nós vamos pacificar o país”.
O senhor conversou com Lula recentemente?
Não, não conversei, não tivemos nenhum encontro. Eu entendo. Ele, muitas vezes, é obrigado a falar mal do meu governo para falar para sua base. Tive muito contato com ele no passado, e tenho certeza que, pessoalmente, ele não dá, digamos assim, não dá crédito às palavras que diz. No fundo, ele sabe o que nós fizemos no governo, ele é um político experiente, acho que reconhece o que fizemos no governo. Naturalmente, quando ele faz o discurso, é um discurso eleitoral, e não um discurso governativo.
Inclusive Lula não tem utilizado muito a palavra golpe para descrever o impeachment que levou o senhor ao poder. No íntimo, o senhor acredita que ele gostou de seu governo, então?
Eu não diria isso. Mas ainda hoje (quarta-feira) vi uma declaração dele dizendo que, se não puder conversar com quem votou pelo impedimento da senhora ex-presidente, não teria com quem conversar.
O MDB está discutindo a formação de uma federação com o PSDB e o União Brasil. O senhor acredita que esse pode ser o caminho para a terceira via?
Eu sei disso, e sei porque as pessoas me contam. O presidente Baleia (Rossi, do MDB) está sempre comigo, o presidente Bruno Araújo (PSDB) fala comigo e muitas vezes o Luciano Bivar (UB). Eles conversam muito comigo e eu fico sabendo das coisas. Sei que essa ideia da federação está muito adiantada, é muito provável que venha a acontecer. Naturalmente, o que se faz necessário é que haja alguns acertos nos Estados, porque às vezes as candidaturas a governador atrapalham essa possibilidade. Agora, a todo momento se fala em diminuir o número de partidos. Nas federações, os que forem eleitos tem de se manter unidos durante quatro anos. Projetando o futuro, se uma federação fica quatro anos junta, depois disputa mais uma eleição, com o tempo essa federação de três, quatro, cinco ou seis partidos vai se transformar em um único partido. Acho útil sob o ângulo institucional.
Em março de 2019, o senhor foi preso, a mando do juiz Marcelo Bretas, no âmbito de uma ação penal que depois não foi adiante...
As pessoas às vezes me dizem: “Temer, quem paga o prejuízo moral e institucional que você teve com uma denúncia que não foi nem recebida?”
Posso te interromper? Eu não fui preso não, eu fui sequestrado. Preso é quando alguém sofre um processo regular. Nesse caso, eu não havia sido indiciado nem denunciado. Houve uma representação de alguns procuradores lá, e o juiz fez aquele espetáculo que você conhece. Aquilo não é prisão, é um sequestro feito pelo Estado. Que aliás foi destruído. Aquela tal denúncia que teria gerado esses fatores sequer foi recebida pelo juiz de Brasília. As pessoas às vezes me dizem: “Temer, quem paga o prejuízo moral e institucional que você teve com uma denúncia que não foi nem recebida?”.
Esse é o quarto processo em que o senhor é absolvido por falta de provas na Lava-Jato. E o senhor foi presidente no auge da popularidade da operação. Como avalia o legado da Lava-Jato?
Eu não diria que não é negativo, não. Lava-Jato é uma expressão jornalística. A expressão jurídica é combate à improbidade administrativa. E esse combate tem de ser feito a todo momento. A Lava-Jato fazia um certo espetáculo, mas o que estava se fazendo é combater a improbidade. Não é porque certas pessoas físicas não estão mais conduzindo o combate à corrupção que isso deve paralisar. Pelo contrário, deve continuar, essa é uma determinação da Constituição Federal. Então, fora a parte os exageros, o legado é positivo.
Nesse contexto, como o senhor vê a candidatura presidencial do ex-juiz Sergio Moro? O ex-senador Aloysio Nunes Ferreira, que foi chanceler no seu governo, diz que ele não tem credenciais para ser presidente e não sabe nada do Brasil. O senhor concorda com essa avaliação?
Houve muitos questionamentos se ele poderia ser candidato, e ele tem todo o direito de ser candidato. As objeções são de natureza política. Eu não conheço o juiz Sergio Moro, nunca conversei com ele (Temer e Moro tiveram um encontro na última sexta-feira, 18), não sei se ele tem uma visão global do país ou não. As pessoas acusam muito ele de ser possivelmente monotemático, só falar da corrupção. Quando você senta naquela cadeira, tem 50 temas para tratar. Mas não posso fazer uma avaliação política, porque nunca conversei com ele.
O governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, também tenta se colocar como um nome para disputar a Presidência. Ele perdeu a prévia do PSDB para João Doria, mas agora pode disputar pelo PSD. O senhor acredita que Leite seria um candidato competitivo?
Eu tenho pessoalmente a melhor impressão dele. Estive com ele uma vez, em que teve a delicadeza de me visitar, e conversamos aqui em São Paulo. Tive uma impressão muito positiva. Agora, não sei se ele vai aceitar o convite. A última informação que tive é de que ele poderia ser candidato à reeleição aí no Rio Grande do Sul. Mas ele tem credenciais.
Aqui no Estado, o MDB está dividido entre lançar como candidato a governador o deputado federal Alceu Moreira ou o deputado estadual Gabriel Souza. Qual deles o senhor acredita que é o melhor nome para concorrer ao governo?
Eu até tenho, de alguma maneira, na medida das minhas forças, sugerido que eles se reúnam e encontrem um ponto comum para haver uma única candidatura, e que não haja disputa
São duas figuras excepcionais, e não falo isso para tirar o corpo. Convivi muito com ambos, tanto com o Gabriel, desde o tempo da Juventude do MDB, como o nosso Alceu Moreira, que hoje preside a Fundação Ulysses Guimaraes. O Alceu teve um desempenho extraordinário no Congresso Nacional ao longo de seus mandatos, de igual maneira o Gabriel aí na Assembleia Legislativa. Eu até tenho, de alguma maneira, na medida das minhas forças, sugerido que eles se reúnam e encontrem um ponto comum para haver uma única candidatura, e que não haja disputa.
Mas quem seria o melhor nome?
Difícil dizer. Os dois são bons (risos). Seja quem for, o Rio Grande do Sul estará muito bem servido.
E qual será o seu papel na eleição de 2022?
De espectador. Eu fico olhando as coisas, e de vez em quando as pessoas vêm até aqui, batem papo. No que eu puder colaborar, basicamente com a pregação pacificadora do país, eu faço questão. Serei um espectador atuante, ativo, em favor da harmonia entre os brasileiros e as instituições.