Se você leu O Pequeno Príncipe na adolescência há de lembrar do inesquecível rei de um pequeno planeta que só dava ordens razoáveis para não ser desobedecido? Se desse uma ordem que o principezinho dizia que não iria obedecer, ele mudava a determinação para garantir que seria respeitado. Por motivos óbvios, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, lembra o reizinho da Saint-Exupéry. Vendo que não seria obedecido pelos governadores, que já haviam anunciado uma rebelião, Queiroga desistiu de exigir atestado médico para vacinar as crianças de cinco a 11 anos contra o coronavírus.
Pesou na decisão do ministro não apenas o risco de ser desmoralizado pela desobediência civil nos Estados e municípios, mas a força da comunidade científica. Na audiência pública de terça-feira, ficou evidente que o grupo antivacina ou defensor da burocratização do processo, com apresentação de prescrição médica, era minoritário.
Também na consulta pública, aquela em que qualquer pessoa podia dar sua opinião pela internet, a ideia da prescrição médica foi rejeitada. É fato que os médicos se organizaram para participar da consulta e não deixar que ela fosse dominada pelos grupos antivacina. Relembrando, o questionário disponível na internet era direcionado para que prevalecesse a resposta favorável à apresentação da receita médica.
Quem conhece Queiroga do tempo em que ele era apenas um cardiologista respeitado, presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, acredita que o ministro fez uma chicana com a consulta e a audiência pública. Ganhou tempo para a compra das vacinas, que não são as mesmas dos adultos, e satisfez a ala bolsonarista que não concorda com a imunização de crianças e pedia para dar voz aos médicos que têm alguma objeção. Três deles foram ouvidos na audiência pública por indicação da presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, Bia Kicis (PSL-DF): Roberto Zeballos, José Augusto Nasser e Roberta Lacerda.
Todos os outros 15 especialistas se manifestaram a favor da vacinação de crianças, incluindo a secretária Extraordinária de Enfrentamento à Covid do Ministério da Saúde, Rosana Leite, e apresentaram dados que embasam a decisão.
A polêmica vai continuar no território das redes sociais, mas o importante é que a vacina estará disponível para os pais que desejarem imunizar suas crianças — os maiores de 12 anos já estão vacinados. Não será obrigatória, como não foi a vacinação de adultos e de adolescentes. Haverá um cronograma e é correto que se dê prioridade às crianças que têm algum problema de saúde ou deficiência permanente ou que morem com pessoas com alto índice de risco para a covid-19.
Vacinados esses grupos prioritários, começa a imunização por idade decrescente, começando pelos de 10 e 11 anos. O resultado final é uma vitória do bom senso, da ciência e da pressão dos pais que querem vacinar seus filhos. O resto é conversa para agitar as redes sociais.