Na faculdade, eu não sonhava trabalhar na Rádio Gaúcha nem na RBS TV. Meu projeto de vida era a Zero Hora, porque havia entre nós, estudantes, a convicção de que rádio era território exclusivo dos abençoados com uma voz de Armindo Antônio Ranzolin e nem havia muitas mulheres em quem pudéssemos nos inspirar. TV era para as bonitas e os cheios de charme. Aos comuns, de escrita correta e gosto pela reportagem, o destino era o jornal. De diploma na mão, o primeiro emprego que consegui foi em assessoria de imprensa. Meses depois, fui trabalhar na Rádio Guaíba, como redatora do Correspondente Renner, lido pelo inesquecível Milton Jung, e dos noticiários da madrugada.
Quando em 1992 fui contratada por Zero Hora, tinha certeza de que aquele era o meu caminho e que da Gaúcha seria, para sempre, uma ouvinte. Mas o cenário foi mudando, a exigência de vozes impostadas deu lugar ao tom mais coloquial, o conteúdo se sobrepôs à forma. Dois gerentes de jornalismo, Cyro Silveira Martins Filho e Cezar Freitas, abriram os microfones para as mulheres e, num belo dia de 2004, virei comentarista de Política no Gaúcha Atualidade. Tremi nas bases por fazer uma participação no programa comandado por Ranzolin, a quem conhecera na Guaíba, ele diretor e narrador esportivo, eu uma foca prestes a completar 21 anos.
No dia em que o então vice-presidente Geraldo Corrêa e o diretor Marcelo Rech me comunicaram que Ranzolin iria se aposentar, e que em vez de um âncora para fazer dupla com Ana Amélia Lemos seríamos um trio, fiquei sem palavras. Nunca fui de refugar desafios, mas sabe lá o que é alguém te dizer que vais fazer parte do conjunto encarregado de substituir uma pessoa insubstituível? Em abril de 1995 estreamos: Ana Amélia de Brasília, André Machado e eu no estúdio de Porto Alegre. Lá se vão 15 anos incríveis, nos quais eu passei de novata a decana.
Ana Amélia saiu em 2009 para ser candidata ao Senado e Carolina Bahia entrou em seu lugar. André pediu demissão em 2013 para concorrer a deputado federal e eu ganhei o Daniel Scola para ser meu companheiro de Gaúcha Atualidade. Em plena pandemia, a Carolina saiu para trabalhar com a querida Anik Suzuki, e Scola e eu ficamos, um em cada casa, tentando manter a sintonia que tínhamos no estúdio ou nas nossas apresentações externas.
Em junho de 2021, Scola recebeu o diagnóstico de um tumor no cerebelo. Foi para a cirurgia confiante de que seria benigno e eu ganhei como companheira a Andressa Xavier, a quem considero a melhor voz da Rádio Gaúcha. Seriam 30 dias, emendando a licença médica com as férias, mas a biópsia derrubou nosso otimismo: Scola tinha um meduloblastoma, retirado com sucesso na cirurgia, mas precisaria fazer radioterapia e quimioterapia, para que não volte.
Como já estava combinado com ele antes da internação, a Giane Guerra incorporou-se ao programa para ser a voz que fala principalmente de economia. Sabemos da nossa incapacidade de substituir o Scola, mas tentamos conduzir o programa pensando em como Scola faria. Nos 95 anos da Rádio Gaúcha ele ainda não estará conosco, mas nos cem, tenho certeza: será o âncora de uma festa inesquecível.