A vida de um jornalista é feita de contar histórias. E histórias não faltaram neste primeiro dia de vacinação no Centro de Saúde Santa Marta, no centro de Porto Alegre, de onde foi apresentado o programa Gaúcha Atualidade. A síntese de todas elas: crianças felizes e pais emocionados com a proteção contra a covid-19. Poderia contar a história do Lucas, primeiro da fila, falante e articulado, dando recado aos pais e às crianças. Ou da Júlia, tímida e bem informada. Ou do Christian, que quer ser jogador de futebol. Ou do João, que chegou fantasiado de jacaré. Cada criança, uma história. Mas talvez nenhuma seja tão simbólica como a da farmacêutica Ana Claudia Zanchi e de seu filho Arthur Zanchi Cardoso.
Ana Claudia trabalha no Centro Estadual de Vigilância em Saúde e coube a ela ir ao aeroporto esperar a preciosa carga com as primeiras caixas da vacina da Pfizer para as crianças do Rio Grande do Sul. Farmacêutica há 22 anos, doutora pela Universidade de São Paulo (USP), Ana Claudia conferiu o estado das caixas, certificou-se de que não estavam úmidas, verificou a temperatura, comandou a operação de carregamento no caminhão frigorífico e de desembarque na Central de Armazenamento de Imunobiológicos. Abriu a primeira caixa, conferiu as barras de gelo, abriu a menor que estava dentro, como aquelas matrioskas russas e, quando chegou ao coração do pacote — os pequenos frascos com 10 doses cada um — , pôs-se a tremer. Tremia e chorava.
— Eu só pensava: meu Deus, esta é a vacina que o Arthur e outras crianças como ele vão tomar — contou Ana Cláudia horas depois de acompanhar a vacinação do filho.
Arthur é autista de grau leve, com altas habilidades. Administrar seu ritmo é um desafio diário para os pais. Fala inglês fluentemente, está estudando espanhol e faz programação de jogos em um software desenvolvido pelo MIT. Sabe tudo de celulares e aparatos tecnológicos. Ao encontrar o governador Eduardo Leite, no Santa Marta, quis saber tudo sobre o relógio que estava usando. Aliás, ele já mandou até vídeo para Leite pedindo que mudasse o decreto estadual e permitisse às crianças ter apenas aulas online nos dias de chuva, porque na hora do recreio gosta de brincar no pátio com os amigos.
Na hora H, Arthur teve medo da agulha. Pediu que deixassem o governador entrar na sala, queria que tirassem a agulha da seringa. Leite precisou sair para participar da abertura da vacinação, e Ana Cláudia seguiu na tentativa de convencimento. Uma técnica habilidosa aplicou-lhe a vacina, deitada no chão, como se estivessem brincando. A mãe comemorou:
— Esse momento fecha um ciclo na minha vida pessoal e profissional. Só posso dizer aos pais que confiem na vacina. Ela salva vidas e é segura. Efeitos adversos são raros e não se compararam aos efeitos da covid.