Criticadas por quem ainda não entendeu que se alguém se sua família precisar de um leito vai encontrar as UTIs lotadas, as medidas anunciadas nesta sexta-feira (5) pelo governador Eduardo Leite são as únicas ao alcance da mão, na visão de cientistas, médicos e especialistas no manejo de dados da pandemia. Estender as restrições da bandeira preta até 22 de março trará, sem dúvida, prejuízos ao comércio e aos serviços não- essenciais, mas foi o caminho adotado por países como Portugal, Inglaterra e Alemanha para frear a circulação do vírus.
— Vai piorar antes de começar a melhorar — alertou Leite, com base nas projeções do comitê de dados do governo, que indicam cerca de 1.962 óbitos na próxima semana.
Essas estimativas são feitas com base nas mortes da semana anterior, na evolução do crescimento das internações e no número de pessoas à espera de leito. Como os efeitos das aglomerações do Carnaval estão recém começando e faltam leitos de UTI nas redes pública e privada do Interior e da Capital, a previsão dos especialistas é de que as próximas duas semanas serão dramáticas no Rio Grande do Sul.
Sem vacinas em quantidade suficiente, sem ter como criar leitos no mesmo ritmo do avanço da contaminação, com as equipes médicas exauridas e com o plano de emergência em sua última fase, o apelo desesperado do governo é para que as pessoas não se aglomerem.
Por isso, estão proibidos os banhos de mar, rio e lagoa, a prática de esportes náuticos e até a venda de produtos não essenciais nos supermercados. Além de reduzir o tempo que o cliente fica nos estabelecimentos, a proibição atende a uma antiga demanda dos comerciantes, que reclamavam da concorrência dos supermercados.
Essa restrição também anula o efeito da esperteza de alguns empresários que apelaram para o jeitinho brasileiro e colocaram à venda produtos da cesta básica em lojas de móveis, eletrodomésticos e bazar para burlar o decreto e abrir as portas.
O comitê científico que assessora o governo vinha recomendando três semanas de restrição com o argumento de que é o tempo mínimo para estancar as contaminações. Ao anunciar a decisão, depois de conversar com os prefeitos, Leite justificou que também era uma forma de dar previsibilidade aos empresários, que ao longo de 2020 reclamavam do “abre e fecha” e da “quarentena sem fim”.
Em princípio, a partir do dia 23, nas regiões que eventualmente continuarem em bandeira preta, os prefeitos poderão retomar o modelo de cogestão e adotar medidas menos restritivas. Com um detalhe: o protocolo de bandeira vermelha será revisto e ficará mais rigoroso.
As medidas anunciadas só terão algum êxito se forem abraçadas pelos prefeitos, a quem cabe fazer cumprir os decretos e ajudar na fiscalização. Se os prefeitos continuarem fazendo corpo mole, como boa parte fez na primeira semana sob bandeira preta, por convicção ou por falta de fiscais, o resultado será trágico, alertam os especialistas.
Aliás
A resistência dos prefeitos às medidas restritivas diminuiu, diante do colapso dos hospitais e da pressão dos eleitores por leito para seus familiares. Representantes de associações regionais chegaram a pedir que o governador fosse mais duro, e algumas regiões adotaram por conta própria restrições à circulação.
Lockdown é outra coisa
Embora algumas prefeituras anunciem lockdown no fim de semana, a expressão é imprecisa. Lockdown, como adotado em Wuhan, na China, e em vários países da Europa, restringe de forma radical a circulação. Para ir ao supermercado ou à farmácia, o cidadão precisa imprimir uma autorização, e as entradas e saídas das cidades são bloqueadas.
O governador Eduardo Leite descartou a possibilidade de adotar lockdown. Explicou que não há base legal para isso, porque fere o direito de ir e vir.
O lockdown, segundo Leite, só seria possível por decisão do governo federal.