Para os brasileiros que estão na fila à espera da vacina, não importa quem convenceu a China a liberar os insumos para a fabricação das vacinas contra o coronavírus em território brasileiro. Como diria o líder chinês Deng Xiaoping, não importa a cor do gato, desde que cace o rato.
A boa notícia é que a China desbloqueou a preciosa carga do Insumo Farmacêutico Ativo, o IFA, três letras mágicas que permitirão ao Instituto Butantan fabricar a CoronaVac em São Paulo e à Fiocruz produzir a vacina Oxford-AstraZeneca no Rio de Janeiro.
A disputa entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, tem como pano de fundo a eleição de 2022. Doria negociou a parceria com o laboratório Sinovac em 2020, numa época em que Bolsonaro fazia pouco caso da vacina chinesa seu filho número 3 provocava os chineses com aval do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araujo. É óbvio que o governador de São Paulo construiu uma relação com a China, por meio do Sinovac, mas o país é grande demais para se preocupar com as picuinhas da política brasileira.
A China é o maior parceiro comercial do Brasil. Compra soja, carne, minério de ferro e dezenas de outros produtos e vende de tudo um pouco. O Brasil precisa da China para fornecer mais do que insumos para vacinas. É uma relação de mão dupla, em que nada se faz por amor ou amizade, mas uma relação diplomática mal conduzida pode atrapalhar. Que o diga a competente ministra Tereza Cristina que, volta e meia, precisa pagar incêndios.
No caso específico da liberação do IFA para as vacinas, o presidente Bolsonaro usou as redes sociais para anunciar a boa nova e dar os créditos a si mesmo e a seus ministros. Doria reagiu com uma nota dizendo que Bolsonaro mente. Diz um trecho: “Todo o processo de negociação com o governo chinês para a liberação de 5.400 litros de insumo para a vacina do Butantan foi realizado pelo Instituto e pelo Governo de São Paulo, que vem negociando com os chineses a importação de vacinas e insumos desde maio do ano passado”.
O governador lembrou que “esta negociação é continua e nunca foi interrompida, mesmo quando o governo federal, através do presidente da República, anunciou publicamente em mais de uma ocasião, que não iria adquirir a vacina por causa de sua origem chinesa. Neste período, um total de 4 lotes de vacinas e insumos foram recebidas pelo Governo de SP sem nenhuma participação do governo Bolsonaro”.
Doria ainda esclareceu que os insumos não estão no aeroporto “conforme equivocadamente publicado pelo Presidente da República, mas sim nas instalações da Sinovac, em Pequim”.
Na tréplica, o Planalto divulgou carta do embaixador Yang Wanming ao ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, informando que a exportação de mais 5.400 litros dos insumos da CoronaVac “acabou de ser autorizada pelo governo chinês”. Na carta, o embaixador menciona conversa do dia 21 de janeiro e diz que os trâmites para a exportação dos insumos para a produção da vacina Oxford-AstraZeneca também estão em fase acelerada.
A briga Bolsonaro X Doria tem um lado positivo: a disputa de protagonismo entre os dois funciona como uma alavanca para a produção das vacinas que podem, com a imunização em massa, impulsionar a economia em 2021. O exército antivacina (e anti-China) terá de mudar o discurso depois da conversão do presidente e dos seus principais ministros.