Agora que o objetivo número 1 do processo de impeachment foi atingido, com a exclusão do prefeito Nelson Marchezan do segundo turno da eleição em Porto Alegre, é possível que no julgamento marcado para o dia 1º de dezembro, o afastamento seja rejeitado. Parece contraditório, dado que 31 vereadores aprovaram a abertura do processo, mas os interesses políticos se movem por uma lógica que às vezes é de difícil compreensão para o eleitor.
Primeiro, é preciso ter em mente que o impeachment é um processo eminentemente político. Só corre o risco de perder o mandato quem não tem maioria nem capacidade de articulação. Foi o que ocorreu com a ex-presidente Dilma Rousseff, que resolveu enfrentar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, hoje preso por corrupção, e perdeu o mandato mesmo com uma denúncia frágil de crime de responsabilidade.
No caso de Marchezan, seria absurdo tirá-lo do poder a 30 dias de terminar o mandato, quando precisa fazer a transição para Sebastião Melo (MDB) ou Manuela D’Ávila (PC do B). Imagine-se o tamanho da irresponsabilidade que estarão cometendo os vereadores se afastarem o prefeito no derradeiro mês de mandato, em meio à crise do coronavírus, que tende a se agravar.
O vice, Gustavo Paim, que não participa do dia a dia da administração, teria de montar uma equipe provisória — ou convencer os atuais secretários a continuarem — para não permitir interrupção dos serviços. Teria de se apropriar de informações que necessariamente precisam ser repassadas e quem vencer a eleição e assumir o comando da transição. Teria como dar certo?
Para que Marchezan seja cassado, são necessários 24 votos entre os 36 vereadores. Parte dos 31 que votaram pela abertura do processo dirá sim ao impeachment, por diferentes motivos, a maioria por ressentimento (e nessa categoria se incluem parte dos derrotados nas urnas). Alguns votarão por convicção, outros por vício oposicionista, outros ainda para tentar tirar Marchezan da eleição de 2022, já que tem chances de se eleger deputado federal.
Quem votará a favor de um prefeito que brigou com meio mundo? Além dos que ficaram a seu lado na abertura do processo, há os que se convenceram da inconveniência do afastamento, os que se constrangem com a forma como a comissão processante se comportou, cerceando o direito de defesa, e os que conhecem o significado da expressão “eu sou você amanhã”.
Oficialmente, Marchezan precisa de pelo menos 13 votos contra a cassação. No entanto, pode escapar com menos, caso algum vereador falte, se abstenha ou não consiga votar por problemas na conexão.
Se Melo vencer a eleição, o MDB e o DEM, partido do vice, Ricardo Gomes, que é vereador, terão um motivo adicional para votar contra o impeachment: a política de boa vizinhança com os quatro vereadores eleitos pelo PSDB, que apoiam sua candidatura, mas anunciaram que serão independentes na Câmara. Da mesma forma o PTB, que terá espaços importantes no governo, se Melo for eleito.
Se Manuela vencer a eleição, e o PT, partido do seu vice votar a favor do impeachment, perderá o discurso do “golpe”, caso se torne a próxima vítima de um processo político.
Aliás
O caso de Santa Catarina, onde o governador Carlos Moisés (PSL) foi afastado temporariamente, mas pode retornar nesta sexta-feira por que fracassou estratégia de derrubar também a vice, Daniela Reinehr, ilustra a inconsistência desses processos baseados na simples disputa de poder