A menos que a Câmara recorra outra vez e o desembargador Alexandre Mussoi Moreira determine o efeito suspensivo da decisão, a comissão processante terá de ouvir os autores do pedido de impeachment do prefeito Nelson Marchezan. O juiz Fernando Carlos Diniz, da 4ª Vara da Fazenda Pública, já havia concedido liminar em mandado de segurança, mas Mussoi cassou a decisão, em agravo de instrumento, atendendo a pedido dos vereadores. Agora, o magistrado não só deu sentença favorável à demanda do prefeito, como criticou os vereadores e o desembargador.
Na sentença, Diniz lembra que ele mesmo, ao conceder a liminar, escreveu que não conseguia visar o real proveito do depoimento dos denunciantes, uma vez que a versão deles sobre os fatos já estava materializada na denúncia, mas diz que é preciso compatibilizar o rito do decreto-lei 201/67 à Constituição Federal.
“Inquestionável a obrigatoriedade, como defende o impetrante, de o processo de impeachment contra ele instaurado de se submeter aos princípios fundamentais pétreos inseridos na Carta Constitucional. É fora de dúvida, portanto, que incide a garantia constitucional do devido processo legal, assegurados a ampla defesa e o contraditório, na segundo o disposto no art. 5º, LIV e LV, da Constituição Federal”, escreveu Diniz.
Em outro trecho, o magistrado diz: “Ao juiz não é dado se imiscuir no mérito do processo de cassação movido contra o impetrante. Nesse ponto, entende-se que os vereadores são soberanos quanto ao resultado do julgamento. Está o Judiciário, porém, legitimado a fiscalizar se os princípios maiores constitucionais estão sendo observados.”
Diniz invoca o princípio da ampla defesa e do contraditório para acatar o pedido de Marchezan para que os autores do pedido de impeachment sejam questionados pelos vereadores e pelo advogado de defesa.
Referindo-se à decisão do desembargador Mussoi, o juiz afirma: “A negativa de inquirição se deu exclusivamente em virtude de o Decreto-Lei n.º 201/67 não prever a oitiva dos denunciantes. Ora, 'Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito' (art. 4º Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro). Ocorre que ao serem considerados cláusulas pétreas os princípios do contraditório e da ampla defesa pelo legislador constituinte, as vetustas leis devem obrigatoriamente ser examinadas sob a ótica da nova ordem jurídica constitucional, pois se tem por revogada toda norma incompatível materialmente com a Constituição Federal."
No que pode ser lido como uma crítica nada sutil ao colega da segunda instância, o magistrado escreveu: “A interpretação literal é a mais temerária, simplista e cômoda entre todos os métodos interpretativos. Aos operadores do direito, porém, não é dado simplesmente se resignar ao texto legal. Muito pelo contrário, devem fazer incursões por todo o ordenamento jurídico, de forma ordenada e sistêmica, promovendo um estudo lógico, finalístico, concatenado e sociológico, na tentativa de vestir a norma com a roupagem do seu devido tempo, tendo por inspiração a Constituição Federal”.
E cita o caso do traficante André do Rap (sem mencionar o nome) para reafirmar sua tese: “O rumoroso julgamento de um conhecido traficante internacional, semana passada, pelo Supremo Tribunal Federal, foi modelar no sentido de que nem sempre a literalidade deva prevalecer”.
Mais adiante, acrescenta: “Mencionei na minha anterior decisão que a versão dos denunciantes já estava externada na própria denúncia. Mantenho a assertiva, mas, melhor refletindo, não se pode sonegar ao impetrante a oportunidade de querer descobrir, numa eventual contradição entre os depoentes, a existência de fins escusos, ignóbeis ou partidários nessa iniciativa. Saber como os denunciantes se organizaram, quem os incentivou e municiou de dados e informações, enfim, quem poderia estar realmente por trás de tudo isso... Reputo que tais indagações podem ser importantes — e decisivas até — num julgamento político, como sabidamente é o de impeachment”.
E conclui: “O fato de o processo administrativo ter prosseguido por chancela judicial não impede o reconhecimento do direito nuclear vindicado pelo impetrante neste mandado de segurança de ouvir os denunciantes”.
A sentença ainda condena a Câmara Municipal de Porto Alegre ao pagamento das custas processuais.
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