Depois de ouvir a sugestão do ministro Luiz Henrique Mandetta para que, quem pudesse, fosse para fazenda, decidimos passar o fim de semana no sítio. É aqui que em tempos normais costumamos exorcizar os fantasmas da semana. Preciso de terra. Aqui planto, podo, cuido, contemplo e colho. E leio, e bordo, e cozinho, e faço coisas que não cabem na equação dos dias úteis.
Se tivesse conseguido abstrair a realidade e desgrudar do noticiário, teria sido um dia perfeito. Sol de outono, temperatura amena, o cachorro a correr pelo pátio. Também por ele viemos. Diego está conosco há oito anos e é o verdadeiro dono deste pedaço de verde. Até quando será possível ir e vir? Não temos ideia.
O almoço foi uma imitação de caldo verde. Eu fiz, exercitando o improviso. Não tem chouriço? Usa um pedacinho do bacon que era para fazer com milho cortadinho. As lagartas acabaram com as couves? Liga e pergunta pro caseiro se tem na horta dele. Tinha.
Ter precisado driblar a escassez na infância deu a mim e a meu marido um vasto repertório para transformar sobras em novos pratos ou criar a partir de ingredientes muito básicos. Na quarentena, tornei-me a padeira oficial da casa, mas preciso admitir que, para tanto, apenas coloco os insumos na máquina e aperto o botão de ligar.
Fui à festa de aniversário da Tâmara Biolo Soares, mulher de um dos primeiros gaúchos a contrair o coronavírus. Antes que alguém me chame de irresponsável, esclareço: festa virtual, pelo aplicativo Zoom. Experiência meio surreal. O marido dela, Alberto Kopittke, se contaminou em uma viagem à Europa. Do isolamento, organizou a festa, enquanto a Tâmara cuidava da filhinha deles, a Maia. Que presente se dá à aniversariante quando estamos um em cada canto? Mandei flores e romãs, a fruta da prosperidade, que aqui amadurecem por esta época. Prosperidade é uma palavra estranha nestes tempos.
Dormi um sono bom à tarde. Por mais de uma hora, meu cérebro isolou o coronavírus. Breve pausa, porque ao acordar vi que a Itália bateu novo recorde de mortos: 793. Estou me tornando obsessiva com as comparações e equivalências. Quantos aviões caíram na Itália hoje? Quantos Brumadinhos? Quantas Kiss? Quantos 11 de setembro em tão poucos dias?
O dia teria terminado meio down, com 1.128 casos confirmados e 18 mortes, não fosse a visita da querida amiga e duplamente comadre Luciane Aquino. Visita em plena quarentena, suas loucas? Calma, de novo. Visita pelo Face Time. Ficamos mais de meia hora conversando. Mostramos os coraçõezinhos assando, ela nos mostrou a taça de vinho tinto e o Cacau, o shitzu. Luiza pôs diante da câmera o Diego, nosso guaipeca. Moramos no mesmo bairro, mas não nos vemos tanto quanto gostaríamos. Repetimos a frase síntese destes tempos nada ditosos: quando tudo isso acabar... vamos nos ver mais.
Liguei para minha mãe. Aos 77 anos, está serena. Contou que comeu traíra frita na casa do meu irmão que mora perto da casa dela. E que só vai “de casa pro Paulo, do Paulo pra casa”. Sabe dos riscos, mas confia em Deus. Entendeu que não pode rezar com as vizinhas. A igreja foi fechada, os terços e os encontros de família que precedem a Páscoa estão suspensos, a Casa do Artesão, onde dá expediente uma vez por semana, fechou por tempo indeterminado. Ocupa seu tempo fazendo trabalhos manuais, para vender quando tudo passar. Cultiva um jardim e nos manda, pelo WhatsApp, fotos de rosas, girassóis, antúrios, buganvílias.
Bendita seja a tecnologia que nos permite lidar melhor com o distanciamento físico.