No isolamento número 2, acordei com o canto dos pássaros, uma bênção nestes dias de vida entre quatro paredes. Escrevi a crônica de domingo, falando da importância da ciência, da cultura e da informação. Esperava que fosse um domingo leve, de descanso, mas logo cedo percebi que não seria possível descolar do assunto que domina todas as rodas (virtuais) de conversa: o coronavírus.
Nos grupos de família circulavam, com pequenas variações, textos e vídeos baseados em um estudo da curva de evolução dos casos de coronavírus, atribuído ao banco JP Morgan. No Instagram, no Facebook e no Twitter, a mensagem se multiplicava. A sugestão era fazer isolamento absoluto “até quarta-feira”. Inquietei-me. E depois de quinta-feira, como ficaria o isolamento? Por que até quarta-feira? Para quebrar as previsões (sic) de que o pico da doença ocorrerá na metade de abril. Não é essa a previsão do Ministério da Saúde. O que o ministro Henrique Mandetta disse na sexta-feira é que no final de abril o sistema de saúde poderia entrar em colapso.
Consultei especialistas e de todos ouvi que a história não tinha pé nem cabeça. No fim da tarde, o ministro Mandetta foi taxativo na entrevista à imprensa: esqueçam as previsões dos bancos. Ignorem as fake News. Fiquem em casa, se possível, independentemente da idade. Acabei invadindo o plantão do Paulo Egídio e escrevendo a abertura da coluna. Antes, já tinha entrado na Rádio Gaúcha e escrito uma nota sobre a quarentena do prefeito Nelson Marchezan, que adotou o isolamento depois de saber que o presidente do Inter, Marcelo Medeiros, testou positivo.
Marchezan contou que esteve com Medeiros e com outros dirigentes da dupla antes do último GreNal. À noite se saberia que também o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan, deu positivo. Marchezan não tem sintomas, mas ficará trabalhando em modo remoto até quarta-feira, quando fecham os 14 dias do encontro.
Em um mundo conectado, as más notícias chegam a jato. Ainda pela manhã, soube da morte da jornalista Mariana Kalil, aos 47 anos. Nossa ex-colega de ZH, Mariana lutava contra um câncer. A despedida foi restrita à família, para evitar aglomerações em tempos de coronavírus. Com tantos amigos em comum, assisti a uma espécie de velório virtual. Todo mundo queria abraçar os pais da Mariana, mas estavam presos à redoma que vírus impôs. Tenho dificuldade para lidar com a morte de pessoas jovens. Morrer aos 47 anos não tem sentido, ainda mais quando se trata de uma guria com tanta fome de viver e que foi valente até o fim.
De volta ao isolamento número 1, assisti ao Fantástico. Coronavírus do início ao fim, com cenas chocantes do caos nos hospitais da Itália, das filas de caixões à espera da cremação, das cidades fantasmas. Hoje morreram menos do ontem: 651. É um número altíssimo, mas com ele veio a esperança que a curva tenha começado a descer. Os Estados Unidos passaram para o terceiro lugar em número oficial de infectados. Oficial porque outros países podem até per mais, mas não sabem porque os testes são restritos.,
No Brasil, o “coronômetro” do Ministério da Saúde aponta 1.546 casos confirmados e 25 mortos, mas, no momento em que escrevo, os dados já estão defasados, porque as secretarias estaduais de Saúde informaram novos testes positivos após a entrevista do ministro. A curva sobe formando o desenho mais temido, o do Everest, e não a colina suave que nos daria alguma tranquilidade.
Tinha colocado o ponto final no diário deste domingo quando o presidente Jair Bolsonaro deu nova prova de alienação em relação à pandemia que parou as maiores economias do mundo.
_ Brevemente o povo saberá que foi enganado por esses governadores e por grande parte da mídia nessa questão do coronavírus _ disse numa confusa entrevista à TV Record.