Há 29 anos o dia 19 de março tem um significado especial. No dia de São José, nasceu meu primeiro filho, Eduardo. Por coincidência, no mesmo dia do tio Saulo, meu irmão caçula. Sempre que podemos, comemoramos juntos. Se não no dia, no fim de semana seguinte. Hoje foi tristemente diferente.
Esperei virar a meia-noite para abraçar meu filho, que assistia a vídeos para passar o tempo em seu quarto-escritório. A primeira reação dele foi recusar o abraço, temendo que, sem saber, possa estar contaminado com o coronavírus, já que nos últimos 14 dias encontrou amigos que viajaram de avião dentro do Brasil. Insisti, mostrando que também eu convivi com dois dos seus amigos, Renan e Felipe, e nos abraçamos longamente. Nenhum de nós tem qualquer sintoma, estamos trabalhando em casa desde terça-feira , só saímos à rua para caminhar ao ar livre ou comprar algum gênero de primeira necessidade. Talvez estejamos contaminados pelo medo , e isso não é bom. Precisamos estar emocionalmente fortes para enfrentar os próximos dias.
Ao meio-dia, minha irmã, que mora sozinha e é uma segunda mãe para meus filhos, veio almoçar conosco e trouxe um bolo de chocolate. Não cantamos Parabéns. Combinamos de celebrar à noite, com um bom espumante e um camarão do masterchef Tailor Diniz. Eduardo perguntou se poderia convidar a best. É assim que chamamos a Clarissa Lukianski, amiga desde os tempos do Colégio Americano. Não, filho. Distanciamento social, lembra? Por mais que a best friend seja considerada da família, temos de resistir. Que dói, dói. Mas vai passar.
Quando avisei que já podia subir (moramos a duas quadras de distância), ela disse para celebrarmos entre nós, que ia restringir as saídas do prédio. Um casal de vizinhos voltou da Europa hoje, está em quarentena, mas sai para levar os cachorros até a rua. Digo que ela exagera, que o vírus não fica no ar, que basta lavar bem as mãos ao chegar em casa e passar álcool gel quando sair, mas estamos inseguros. Será que estamos ficando paranoicos?
Em casa, encontrei finalmente o canto em que vou trabalhar à tarde. Fica na sala, de frente para livros acumulados ao longo da vida por mim e por meu marido. Livros podem ser o melhor remédio para essa quarentena forçada, mas passo o dia envolvida com as notícias, as entrevistas, as entrevistas de autoridades, a busca por informações atualizadas, o contato com as fontes pelo WhatsApp e por telefone. Aqui convivo com dois violões que estão separados para doar aos meninos da Orquestra Jovem do Rio Grande do Sul, alguns troféus, uma poltrona com massageador para a coluna, o colchonete de fazer exercícios, o bolão do pilates e uma montanha de CDs que ficaram obsoletos com o Apple Music e o Spotify, mas ninguém tem coragem de se se desfazer.
Antes do meio-dia, quando saí para uma rápida caminhada, encontrei a cidade mais fantasma do que ontem. Abertos, apenas os mercadinhos e as farmácias. Tinha fila para a vacinação, mas dessa estamos livres: fizemos no domingo. Eduardo saiu também para pegar um solzinho, teve a mesma sensação.
Conheci novos memes dos jovens entediados com a quarentena recém iniciada. Ri do cara que depilou um morango (com a pinça retirou aquelas sementinhas...), mas elegi como o meu preferido desta quinta-feira o da Maria (@mawvyl): "Dia 4: quarentena - querido diário hoje eu lavei e tingi um caroço de manga".
Ando sensível, já com saudade do burburinho da redação. Chorei com a cantora lírica animando os vizinhos italianos, enquanto o filhinho segura a caixinha de som no mercado. Me emocionei com a propaganda da Natura, dizendo que deu licença remunerada para os funcionárias. Recuperei um pouco da fé na Humanidade vendo as iniciativas de pessoas que fazem o bem sem olhar a quem. E decidi ignorar solenemente os pregadores de ódio. Não servem para nada.
Decidimos brindar à esperança de que tudo isso passe o mais rápido possível e que a vida volte ao normal. Presente da Luiza para irmão: a edição de um vídeo com imagens do último fim de semana dele com os amigos na cachoeira de Rolante. Presente meu? Um crédito para irmos a Fernando de Noronha quando tudo isso acabar (estava em destaque hoje em
O Mundo Visto de Cima).
O dia terminou com 621 contaminados (entre os testados, que não são todos os que deveriam) e sete mortos. Mais um da comitiva do presidente, o 18º. O Brasil fechou as fronteiras (e não só com a Venezuela). Amanhã, 20h, vou para a janela aplaudir os profissionais de saúde. Hoje só quero agradecer pela família que tenho e dizer: vai passar!