A pressão dos aliados foi tanta que o presidente Jair Bolsonaro se viu obrigado a mudar a prática de dar estabilidade aos assessores criticados pela imprensa e decidiu demitir o secretário da Cultura, Roberto Alvim, autor do já célebre vídeo em que diz:
— A arte brasileira da próxima década será heroica e será nacional. Será dotada de grande capacidade de envolvimento emocional e será igualmente imperativa, posto que profundamente vinculada às aspirações urgentes de nosso povo, ou então não será nada.
Seria apenas uma frase retórica, como ele diz, não fosse a semelhança com palavras ditas por ninguém menos que Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Hitler. Disse Goebbels, segundo consta em sua biografia escrita por Peter Longerich:
"A arte alemã da próxima década será heroica, será ferreamente romântica, será objetiva e livre de sentimentalismo, será nacional com grande pathos e igualmente imperativa e vinculante, ou então não será nada".
Entrevistado na manhã desta sexta-feira (17) no programa Timeline, da Rádio Gaúcha, Alvim admitiu candidamente que não conhecia a frase e que foi apenas uma "infeliz coincidência", uma casca de banana jogada no seu caminho por algum assessor, sabe-se lá com que intenção, durante um brainstorm, essa tempestade de ideias em que um grupo discute determinado assunto e que popularmente é conhecida como "toró de palpites". Versão 2020 da frase "a culpa é do estagiário"
Por essa versão, alguém escreveu a frase num papelzinho, Alvim gostou e a adotou como sua. Para piorar, gravou um vídeo produzido, tendo como fundo musical uma ópera de Richard Wagner, compositor preferido de Hitler.
Questionado pelos colegas David Coimbra, Kelly Matos e Luciano Potter, Alvim se defendeu. Disse que considera sua frase perfeita, que não nutre qualquer simpatia pelo nazismo e que escolheu Wagner porque ama o compositor a vai morrer amando. Contou também que conversou com o presidente e que Bolsonaro aceitou suas explicações.
Se aceitou, mudou de ideia depois de ser cobrado por aliados como o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que pediu a cabeça de Alvim pelo Twitter. " O secretário da Cultura passou de todos os limites. É inaceitável. O governo brasileiro deveria afastá-lo urgente do cargo", escreveu.
Outro aliado, o deputado Marcel Van Hattem (Novo) afirmou: "Fala de Roberto Alvim é absurda, nauseante: o Estado não define o que é e o que não é cultura! Já um governo define quem dele faz e quem dele não faz parte. Quem recita Goebbels e faz pronunciamento totalitário não pode servir a governo nenhum no Brasil e deve ser demitido. Já!".
A certa altura da entrevista, Alvim disse que a única crítica que realmente o abalou foi a do guru do bolsonarismo, Olavo de Carvalho. O ex-astrólogo, que vive na Virginia (EUA), ressaltou que não queria fazer um julgamento apressado, mas opinou que talvez Alvim não esteja batendo bem da cabeça. O secretário da Cultura disse por que ficou chateado:
— O professor Olavo é um mestre pra mim, uma pessoa que me ajudou muito. Vou provar para o professor Olavo, que é meu mestre, que estou bem da cabeça.
Corta para outro assessor encrencado, o secretário de Comunicação Social da Presidência da República, Fabio Wajngarten, que segundo a Folha de S.Paulo é dono de uma empresa que recebe dinheiro de emissoras e agências de publicidade contratadas pelo governo, o que é ilegal. Na quinta-feira (16) à noite, questionado por um repórter da Folha se tinha conhecimento dos contratos assinados pela FW Comunicação e Marketing, da qual Wajngarten tem 95% das cotas, Bolsonaro respondeu:
— Está falando da tua mãe? Você está falando da tua mãe?
— Não, estou falando do secretário de Comunicação, do Fabio Wajngarten — respondeu o repórter.
— Se foi ilegal, a gente vê lá frente. Mas, pelo que vi até agora, está tudo legal, vai continuar. Excelente profissional. Se fosse um porcaria, igual alguns que têm por aí, ninguém estaria criticando ele.
Bolsonaro se recusou a responder questionamentos feitos pela Folha e disse que o jornal não tem moral para fazer perguntas.
— Fora, Folha de S.Paulo, você não tem moral para perguntar, não. Cala a boca.
Ou seja, o presidente que prega moralidade no setor público deixa para ver "lá na frente" se houve uma ilegalidade e quer impedir os jornalistas de questionarem um evidente conflito de interesse.