A resistência dos deputados e das corporações de servidores a qualquer mudança que possa resultar em corte de despesas com a máquina pública justificaria o título pensado inicialmente para este artigo: “Afunda, Rio Grande”.
Porque mais de 50 meses de atraso nos salários, acompanhados de investimentos próximos de zero e precarização dos serviços, não foram suficientes para convencer a Assembleia de que o Estado vive uma crise sem precedentes e precisa de mudanças estruturais, até para que os próprios servidores possam ter alguma expectativa de futuro.
O pacote proposto pelo governador Eduardo Leite é duro, antipático e impopular para os servidores ativos, inativos e pensionistas. Se for rejeitado integralmente – ou aprovado e derrubado na Justiça –, as corporações terão obtido uma vitória de Pirro.
Celebrarão a derrota do governo, como estão comemorando a decisão do desembargador Rui Portanova, que suspendeu a votação do projeto que eleva a contribuição previdenciária dos civis, e o adiamento das outras propostas para janeiro, mas pagarão a conta na forma de mais atrasos e congelamento por tempo indeterminado.
Se nada for feito, as despesas de pessoal continuarão crescendo à média de 3% ao ano, graças aos adicionais de tempo de serviço que o governo quer extinguir. Como não há garantia de que a economia venha a crescer, é possível que o déficit se aprofunde, mas quem se importa?
Déficit, superávit, equilíbrio fiscal são expressões irrelevantes para quem acha que tudo se resolve com fórmulas mágicas. Não são abstrações para os contribuintes que conhecem as consequências de gastar mais do que se arrecada e esperam retribuição, em serviços, pelos altos impostos que pagam.
Como outros governadores esgotaram os artifícios que financiavam o déficit, resta a Leite conter o crescimento dos gastos e vender o que resta de patrimônio público.
Críticos do governo dirão que a saída é cobrar os sonegadores (coisa que já se faz e deve, sim, ser intensificada) e exigir do governo federal a reposição das perdas da Lei Kandir. Outros sugerirão que corte cargos em comissão, acabe com isenções fiscais, reduza os salários dos outros poderes ou corte verbas de gabinete dos deputados. Há ainda os que sustentarão que a superação da crise passa por nomear mais servidores.
Sugestões fantasiosas ou inconstitucionais servem a quem quer deixar tudo como está, para ver como é que fica. Para o Rio Grande do Sul, vale a máxima de que nada é tão ruim que não possa piorar.
Aliás
É inegável que existe uma queda de braço entre a Assembleia Legislativa e o Judiciário. Partiu dos deputados a sugestão de cobrar contribuição previdenciária menor de quem ganha menos e de aplicar 22% para os salários mais altos, o que inclui os magistrados.
Cada cabeça, uma sentença
Não foi novo o argumento levantado pela deputada Luciana Genro (PSOL) no mandado de segurança que impediu a votação do projeto que altera as alíquotas previdenciárias dos servidores civis.
A sustentação de que os projetos sobre a previdência só podem ser votados depois da proposta de emenda à Constituição que integra o pacote já havia constado em pedido semelhante da deputada Juliana Brizola (PDT), que foi negado pela desembargador Francisco Moesch.
Além das deputadas, a Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) sustentou que o projeto é inconstitucional. A Ajuris entende que a decisão do desembargador Rui Portanova “não pode ser considerada como reflexo de corporativismo ou posição ideológica do magistrado”.