Não há surpresa na resistência dos servidores públicos às mudanças propostas pelo governo de Eduardo Leite. É da natureza humana lutar contra a perda de qualquer vantagem, mesmo que muitas delas não passem de miragem diante da situação caótica das finanças do Estado.
A instituição do piso salarial como básico do plano de carreira de 1974 é o caso mais emblemático. Sua aplicação, como quer o Cpers, implicaria aumento de R$ 6 bilhões anuais nos gastos com pessoal.
Para um Estado que, mesmo com a suspensão temporária da dívida com a União, está atrasando salários e não consegue investir praticamente nada, esse acréscimo simplesmente implodiria as contas públicas, como cansou de alertar o ex-secretário da Fazenda Giovani Feltes.
Os R$ 6 bilhões do piso são apenas um exemplo no mar de números que sustentam a necessidade de aprovação de projetos impopulares, sob pena de os gaúchos pagarem impostos exclusivamente para sustentar os 336 mil servidores ativos, inativos e pensionistas.
Sem as reformas, o ICMS, que já é um dos mais elevados do Brasil, teria de ser aumentado, junto com outros impostos —e o compromisso de Leite é voltar às alíquotas de 2015 no primeiro dia de 2021.
As despesas relativas a servidores consomem 82% da receita corrente líquida. O peso do funcionalismo é um dos maiores do país sob qualquer ângulo que se olhe. O déficit previdenciário previsto para 2020 é de R$ 12 bilhões. São Paulo, com uma população quatro vezes maior, gasta R$ 18 bilhões a mais do que arrecada com contribuição dos funcionários e do próprio Estado.
O governador diz que é como cada gaúcho entrasse, todos os anos, com R$ 1.038 para cobrir o déficit da Previdência. Esse dinheiro se traduz na redução de investimentos e na precarização dos serviços oferecidos ao cidadão.
Para cada servidor em atividade, o Rio Grande do Sul tem 1,63 aposentado ou pensionista. Na área da segurança, por força das aposentadorias precoces, 70% da folha de pagamento vai para os inativos e 30% para os ativos. Na educação, a relação é de 61% para aposentados e 39% para quem segue trabalhando. Essas duas áreas respondem por 80% das matrículas.
De 2007 a 2018, a inflação medida pelo IPCA foi de 86,7%. Os gastos com servidores em atividade cresceram 140,4% e com inativos, 236,4%. Mesmo que nesse período o Estado tivesse crescido a índices chineses, a conta não fecharia. Sem uma mudança na estrutura das despesas, ainda que venda todos os ativos restantes, o desequilíbrio voltará em poucos anos.
Outro número que o governo vem usando para sensibilizar os deputados e os servidores é o dos investimentos. No final dos anos 1970 (governos Euclides Triches e Synval Guazzelli), o Estado investia quase 30% da receita líquida (1,9% do PIB). Esse índice foi minguando nos anos seguintes até chegar a 3,5% na administração de José Ivo Sartori (0,3% do PIB). Para 2020, a previsão é de apenas R$ 1 bilhão em investimentos.
Desde agosto de 2017, quando obteve liminar no Supremo Tribunal Federal, o Estado deixou de pagar R$ 7 bilhões da dívida com a União. Graças a outra decisão judicial, não está sendo obrigado a pagar R$ 1,9 bilhão anuais de precatórios.
O Piratini calcula que, sem essas liminares, o Estado estaria quitando hoje os salários de fevereiro.