Com um chanceler que age como anti-diplomata e cercado de assessores que só sabem dizer amém, o presidente Jair Bolsonaro carece de uma rede de proteção que o impeça de expor ao mundo sua ignorância em relações internacionais. Faltou um conselheiro para dizer a Bolsonaro que ele não precisa gostar da dupla Alberto Fernández-Cristina Kirchner, mas que é pouco inteligente declarar guerra ao recém-eleito presidente da Argentina.
Esse conselheiro deveria ser o ministro das Relações Exteriores, mas Ernesto Araújo age como se vivesse no tempo de guerra fria, enxergando comunistas em qualquer um que não compactue com suas convicções ideológicas. Em vez de dizer ao presidente que seria de bom tom respeitar a decisão dos eleitores argentinos, Araújo partiu para o ataque:
"As forças do mal estão celebrando. As forças da democracia estão lamentando pela Argentina, pelo Mercosul e por toda a América do Sul. Mas o Brasil continuará inteiramente do lado da liberdade e da integração aberta", escreveu o chanceler em seu perfil no Twitter.
Na sequência, completou: "Não há muita ilusão de que o fernandez-kirchnerismo possa ser diferente do kirchnerismo clássico. Os sinais são os piores possíveis. Fechamento comercial, modelo econômico retrógrado e apoio às ditaduras parece ser o que vem por aí".
É curioso que o ministro tenha se referido a ditaduras no dia em que o presidente Bolsonaro prestigiava uma delas, a da Arábia Saudita, logo depois de ter visitado outra, a China, e a elogiado pelo sucesso na área econômica.
Com um chanceler incapaz de reconhecer a soberania dos argentinos para escolher seu presidente, não é de se espantar que Bolsonaro tenha se recusado a ligar para Fernández. Se lhe é penoso demais cumprimentar o peronista pela vitória, por que não telefonar para desejar sucesso, já que o Brasil só tem a perder se a Argentina for à bancarrota?
Bolsonaro disse que não iria cumprimentar Fernández e criticou a escolha dos argentinos:
— Lamento. Eu não tenho bola de cristal, mas eu acho que a Argentina escolheu mal.
O presidente brasileiro ficou incomodado porque em julho Fernández visitou o ex-presidente Lula na cadeia e, domingo (27), mencionou o aniversário de Lula e defendeu sua liberdade.
O déficit de diplomacia já tinha sido escancarado quando Bolsonaro tentou influenciar na eleição argentina, aconselhando os hermanos a votarem em Maurício Macri. Na visita a Pelotas, em agosto, Bolsonaro chegou a prever que o Rio Grande do Sul se transformaria numa Roraima, em caso de vitória de Fernández, com os argentinos repetindo o êxodo protagonizado pelos venezuelanos que fogem da ditadura de Nicolás Maduro.
O presidente brasileiro deveria tomar aulas de civilidade com Macri, que se comportou como um lorde desde que as urnas confirmaram as pesquisas e apontaram vitória do seu adversário. Nesta segunda-feira, o atual presidente recebeu Fernández para um café da manhã na Casa Rosada para começar a transição, como é de se esperar de um presidente que tem apreço pela democracia.