Nem a complicada escolha do substituto de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República (PGR) será tão difícil para o presidente Jair Bolsonaro quanto o destino do projeto do abuso de autoridade. Bolsonaro terá de escolher com quem vai se desgastar, porque não existe solução indolor no ato de sancionar ou vetar o projeto aprovado às pressas na semana passada pela Câmara.
O mais provável é que o presidente sancione o projeto com vetos, para não queimar as pontes com os deputados nem ficar mal com os setores que clamam pelo veto integral, como as polícias, o Ministério Público, o Judiciário e a maior parte da sua base eleitoral.
Seja qual for a decisão, o presidente terá de pesar os prós e os contras e preparar uma justificativa convincente para o que decidir.
Em uma sociedade democrática, juízes, promotores e policiais não estão acima da lei e devem responder por eventuais abusos. Aqui começa o problema de Bolsonaro: a imprecisão do texto que passou pelo Senado e pela Câmara.
A lei não pode ser subjetiva, mas o conceito de abuso de autoridade contido no projeto dá margem para interpretações diversas em vários artigos.
O temor de juízes, promotores e policiais é de que sua atividade seja inviabilizada se o presidente sancionar o texto sem vetos. A presidente da Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris), Vera Deboni, vai ainda mais longe. Diz que, se Bolsonaro não vetar o projeto, até o trabalho da imprensa ficará comprometido, porque “nenhuma autoridade correrá risco de dar entrevistas e de prestar informações sobre determinados casos e vir a sofrer as draconianas penas nela previstas”.