A reclamação do presidente Jair Bolsonaro, de que o Congresso quer transformá-lo em rainha da Inglaterra (que reina, mas não governa) é reveladora de um equívoco em relação ao papel que a Constituição reserva aos poderes da República. Se o Congresso altera uma medida provisória, rejeita um projeto ou barra um decreto, está no seu papel. Na democracia, o presidente não tem poder absoluto. Bolsonaro, que foi deputado por 28 anos, está se fazendo de desentendido e joga para a torcida com frases de efeito.
Quando o Senado barrou o decreto das armas, aprovando um projeto de decreto-legislativo por 47 votos a 28, não estava querendo transformar Bolsonaro em rainha da Inglaterra, mas mostrando que a Bic presidencial tem limites.
O exército bolsonarista reagiu indignado, como se o Senado estivesse desrespeitando os eleitores, que avalizaram o discurso armamentista. Ora, nem todos os eleitores de Bolsonaro votaram nele porque defende o armamento da população como política de segurança pública e delira com ideias mirabolantes, como a de que uma população armada é vacina contra golpes de Estado. Teve, sim, quem votasse por esse motivo, mas uma parcela muito significativa dos eleitores escolheu Bolsonaro por que acreditou no seu discurso liberal, avalizado por Paulo Guedes, o Posto Ipiranga. Outros, o escolheram por eliminação, porque não queriam a volta do PT ao poder.
A eleição dos deputados e senadores é tão legítima quanto a do presidente da República. Se fosse para apenas carimbar as propostas do Executivo, o Legislativo não teria razão de existir. Cabe ao Congresso aperfeiçoar as propostas do Executivo e, se for o caso, podar os excessos.
Bolsonaro irritou-se particularmente porque terá de submeter ao Congresso as indicações para o comando das agências reguladoras. Há um viés autoritário nessa reclamação. Para o usuário dos serviços públicos, o melhor que se pode desejar é que o critério para preenchimento dos cargos de comando nas agências reguladoras não seja o da indicação política, como ocorreu nos governos petistas.
No final de maio, o Senado aprovou projeto que institui o marco legal das agências reguladoras e determina, entre outras coisas, seleção pública para elaboração de lista tríplice a ser encaminhada ao presidente da República com nomes para os cargos de diretoria. Caberá ao Senado confirmar as indicações.
O projeto já passou pela Câmara e pelo Senado, e aguarda sanção da Presidência da República. Bolsonaro tem até terça-feira (25) para decidir se sanciona ou veta a proposta.
Pelo que disse no sábado, ao reclamar do Congresso, Bolsonaro não quer a autonomia das agências reguladoras:
– As agências travam os ministérios, você fica sem ação, tem que negociar com agência, é um poder paralelo.