Desgastado aos olhos dos brasileiros por decisões inexplicáveis de seus ministros, o Supremo Tribunal Federal conseguiu piorar o que já estava ruim e agora flerta com uma crise institucional ao desafiar a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e não arquivar o inquérito aberto com a finalidade de investigar propagadores de notícias falsas.
Um processo que começa errado não tem como terminar bem. Não caberia ao Supremo abrir o inquérito, mas pedir ao Ministério Público Federal que investigasse a disseminação de fake news envolvendo ministros e suas famílias.
Em um ímpeto autoritário, o presidente do STF, Dias Toffoli, tomou a iniciativa de abrir a investigação e, em vez de sortear o relator, escolheu Alexandre de Moraes para a tarefa. O ministro Marco Aurélio Mello, um dos mais antigos da Corte, disse que nunca viu o Supremo abrir um inquérito “de ofício”.
Foi no meio dessa fogueira que Moraes resolveu censurar a revista digital Crusoé e o site O Antagonista, um ato que só serviu para aumentar o desgaste da imagem dos ministros e deu visibilidade à reportagem proibida.
Moraes foi além e mandou bloquear as redes de suspeitos de disseminar fake news e determinou busca e apreensão na casa dessas pessoas, caso do general de reserva Paulo Chagas, que diz horrores dos ministros.
Os ofendidos poderiam ter interpelado o general e até entrado com ação por danos morais, mas preferiram radicalizar para mostrar quem manda.
Ao desobedecer a recomendação de Raquel Dodge de arquivar o inquérito, Moraes instituiu a política da queda de braço. Resultado: o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) decidiu pedir o impeachment de Toffoli e de Moraes. Como há uma fila de senadores querendo o impeachment de Gilmar Mendes, a crise tende a se agravar se não aparecer alguém para colocar panos quentes.
O combate às notícias falsas deve ser uma preocupação dos três poderes, mas não se pode confundir com censura ou ataque à liberdade de expressão, que é um dos pilares da democracia. Ao Supremo cabe interpretar a Constituição. Legislar é papel do Legislativo, mas não raro os ministros extrapolam e assumem papel de deputados e senadores.