Bons tempos aqueles em que a ministra Cármen Lúcia dizia que "cala-boca já morreu", referindo-se à liberação das biografias não autorizadas e ao direito da imprensa de repassar informações aos cidadãos. Era 2016 e hoje já não se pode dizer o mesmo: no Supremo, cala-boca está mais vivo do que nunca, como acaba de provar o ministro Alexandre de Moraes, ao proibir a divulgação de reportagem da revista Crusoé sobre suposta ligação de Marcelo Odebrecht com o ministro Dias Toffoli, à época advogado-geral da União e hoje presidente do STF.
Palavras da então presidente do STF, Cármen Lúcia, em 20 de outubro de 2016, antes de palestra no fórum da Associação Nacional dos Editores de Revistas (Aner):
– Não há democracia sem uma imprensa livre. Não há democracia sem liberdade. Ninguém é livre sem acesso às informações.
Em seguida, citando o cronista Fernando Sabino, completou:
– Deixa o povo falar.
Dois anos e meio depois, o ministro Alexandre de Moraes, relator de inquérito que apura notícias fraudulentas, determinou na segunda-feira (15) que o site O Antagonista e a revista Crusoé retirem do ar reportagens e notas que citam o presidente Dias Toffoli. E mais: estipulou multa diária de R$ 100 mil e mandou a Polícia Federal ouvir os responsáveis pelo site e pela revista em até 72 horas.
Não há democracia sem uma imprensa livre. Não há democracia sem liberdade. Ninguém é livre sem acesso às informações.
MINISTRA CÁRMEN LÚCIA
ao defender a liberdade de imprensa, em 2016
A ordem de Moraes é para que O Antagonista e a Crusoé retirem, imediatamente, dos respectivos ambientes virtuais a matéria intitulada "O amigo do amigo de meu pai" e todas as postagens subsequentes que tratem sobre o assunto.
Segundo a reportagem publicada pela revista na quinta-feira passada, a defesa do empresário Marcelo Odebrecht juntou em um dos processos contra ele na Justiça Federal em Curitiba documento no qual esclareceu que um personagem mencionado em e-mail, o “amigo do amigo do meu pai”, era Dias Toffoli.
O que o ministro Alexandre de Moares está fazendo chama-se censura. Hoje foi O Antagonista, amanhã poderá ser qualquer outro veículo que publique informações indigestas para Suas Excelências. Conteúdos de delações premiadas que envolvem políticos de diferentes partidos foram divulgados à exaustão nos últimos anos. Quando chega aos intocáveis do Supremo, descobre-se que o cala-boca está vivinho da silva.