A maison da Rua Miguel Tostes, 115, já não era a mesma há alguns anos. A casa lendária que desde 1970 abrigara o ateliê de Rui Spohr, com o entra e sai de noivas, debutantes e mulheres apaixonadas por suas criações, foi demolida e virou três lojas. Rui, sua inseparável Dóris e a equipe de fadas costureiras mudaram-se para a casa ao lado, no número 125. Ali ele continuou criando modelos que eram objeto de desejo de quem aprecia corte, costura e acabamento perfeitos.
Em julho de 2018, a segunda casa também fechou as portas ao público. As clientes fiéis formaram fila para comprar o que ainda restava no estoque do prêt-à-porter, Rui criou um instituto e sumiu por algum tempo da rua. Só há alguns meses, nós, os vizinhos da rua, soubemos o que estava fazendo: o estilista que durante décadas foi sinônimo de elegância tinha trocado o lápis pelos pincéis. Quem visitou a exposição dos seus trabalhos constatou que dentro dele vivia também um pintor.
Obsessivo pela perfeição, Rui mostrou-se um aluno dedicado do artista plástico Hô Monteiro, professor que o acompanhava há uma década e que, na abertura da exposição, mostrava-se orgulhoso de seu pupilo. Nas paredes, retratos de modelos com chapéus que evocavam a inspiração parisiense do início de sua carreira misturavam-se a croquis de vestidos de festa, de noivas e de debutantes. O homem que transformava tafetás, sedas e rendas em obras de arte ajustou o foco para uma atividade lúdica, que o manteve ativo até os últimos dias de vida.
Acompanhei a vida de Rui como vizinha e cliente a partir de 2000. Passava todos os dias em frente a sua vitrine e incontáveis vezes parei apenas para apreciar a beleza de vestidos que nunca usarei. Comprei algumas peças que foram para minhas irmãs, porque uma roupa Rui só termina quando não serve mais. Conservo outras, que ainda me servem, ou que guardo na esperança de que um dia minha filha as queira usar.
Nesses anos de vizinhança, acompanhei o vaivém de carros com placas de diferentes cidades do Interior, com clientes em busca de suas criações únicas, justificando a expressão "Rui é Rui", slogan que marcou suas criações. Em casamentos, era possível identificar suas digitais nos vestidos de noivas, mães e madrinhas. Não sei dizer quantas primeiras-damas usaram peças suas. Na posse do governador José Ivo Sartori, a mulher do vice-governador José Paulo Cairoli, Goia Tellechea Cairoli, destacava-se pela elegância em um conjunto de cor marfim. A deputada Silvana Covatti usou Rui na posse como presidente da Assembleia e em outros momentos importantes de sua carreira política. Rui vestiu Ieda Maria Vargas, Miss Universo 1963. É dele o vestido de noiva que Ieda usou em 1968. Também é criação dele o vestido de noiva da ex-miss Brasil Deise Nunes. Em 1986, criou os uniformes femininos da Brigada Militar do Rio Grande do Sul, que são os mesmos até hoje.
Nos últimos anos, os passos ficaram mais lentos. Rui já precisava de Dóris para caminhar pelo bairro. Há poucos dias, o vi pela última vez entrando na casa que foi seu último ateliê. Não sei se foi o adeus, mas a imagem que dele guardarei não é essa, de um homem vencido pela idade. O que fica é a obra e a lembrança do talento.