Virou moda entre os militantes das candidaturas a presidente da República dizer que os jornalistas fazem perguntas inconvenientes. Não existe pergunta ruim. Quem se dispõe a concorrer a um cargo dessa importância tem de saber que será cobrado pelo que fez no passado, confrontado por suas contradições e cobrado por propostas para o futuro.
Justificar a ausência em entrevistas com o argumento de que os jornalistas fazem perguntas capciosas é defender o voto no escuro e subtrair do eleitor o direito de conhecer o que pensam os candidatos.
Quem acompanhou a entrevista da deputada Manuela D'Ávila (PC do B) no Roda Viva, na segunda-feira (25), com um olho na TV Cultura e o outro nas redes sociais percebeu essa visão tortuosa dos militantes. Qualquer pergunta que provocasse o mínimo de desconforto – incluindo as da jornalista Vera Magalhães – era tratada como machismo, misoginia, preconceito contra a esquerda, coisa velha. Ora, se queremos igualdade de gênero, não se espera que Manuela ou Marina Silva (Rede) sejam poupadas de perguntas difíceis por serem mulheres.
Manuela tem razão em reclamar de a TV Cultura escalar para entrevistá-la Frederico D'Ávila, diretor da Sociedade Rural Brasileira. Ali não estava um jornalista, mas um dos coordenadores do plano de governo de Jair Bolsonaro (PSL) para o agronegócio.
Todos os pretendentes ao Planalto têm suas fragilidades e não há nada que justifique passar a mão na cabeça de um ou de outro. Se Manuela concorre por um partido que tem a palavra "comunista" no nome, não é ofensa perguntar em que lugar do planeta o comunismo deu certo. Se votou a favor da Lei da Ficha Limpa, e acha que o ex-presidente Lula pode concorrer mesmo condenado em segunda instância, é legítimo que se questione a contradição. Dizer que "todo mundo sabe que Lula foi condenado sem provas" não é resposta satisfatória. Pode-se questionar a qualidade das provas, mas foram aceitas por duas instâncias do Judiciário, cujas decisões têm sido mantidas pela terceira instância.
Da mesma forma, não há nada de errado em questionar Marina sobre sua omissão em questões graves do país no intervalo entre uma eleição e outra, condição que lhe valeu o apelido de cometa. Marina não tem como apagar de sua biografia a aliança com Aécio Neves (PSDB) no segundo turno de 2014. No máximo poderá alegar, como dizem os candidatos em geral, "eu não sabia".
Geraldo Alckmin não será poupado nas entrevistas e debates de falar sobre os desvios de recursos nas obras do Rodoanel, durante seu governo em São Paulo, nem sobre a leniência do PSDB com os desvios de conduta de Aécio, do ex-governador Eduardo Azeredo e outros tucanos.
Jair Bolsonaro (PSL), que foge das entrevistas porque seus conselheiros acham que os jornalistas têm má vontade com ele, precisa responder pelas posições racistas, pela apologia do estupro (quando disse que a deputada Maria do Rosário não merecia ser estuprada porque é muito feia) e pela defesa da tortura. Tem de ser questionado, sim, sobre a viabilidade de suas propostas de governo e sobre a omissão em temas relevantes.
Como Lula está na cadeia, não é possível questioná-lo como candidato, mas o PT precisa responder sobre o petrolão, o mensalão e todos os escândalos ocorridos nos seus governos. Fingir que não ocorreram desvios bilionários na Petrobras e que tudo se resume a uma conspiração para impedir a vitória do petista é enterrar a cabeça, feito avestruz, para fugir da realidade.
O impaciente Ciro Gomes (PDT), que briga com a própria sombra, deve estar preparado para perguntas indigestas sobre seus arroubos e cobranças de maior clareza em relação ao projeto que tem a oferecer ao Brasil, não raro incompatível com leis universais como a da oferta e da procura. Guilherme Boulos (PSOL) não poderá se ofender com questionamentos sobre sua liderança na invasão de propriedades públicas e privadas.
Henrique Meirelles (MDB) é o candidato do governo e, querendo ou não, será cobrado pelos erros de Michel Temer, por sua passagem pela empresa de Joesley Batista e por outras questões que não estarão na propaganda eleitoral.
Alvaro Dias (Podemos) será confrontado com seu passado camaleônico, com sucessivas trocas de partido. Flávio Rocha (PRB) tem sido e continuará sendo cobrado por suas inconsistências de liberal na economia com um discurso dos mais retrógados nos costumes. João Amoêdo (Novo) pode sofrer menos cobranças porque nunca esteve nem próximo do poder, mas terá de explicitar propostas impopulares defendidas por seu partido, que não raro demonstra falta de sensibilidade social.